As Coisas Que Falo Com o Espelho

Se o mundo estivesse acabando, o que sentiria por mim?

24h

A repórter falava com propriedade na tela, um terno perfeitamente passado e maquiagem impecável. E mesmo com todo o profissionalismo, suas mãos tremiam, sua voz errava levemente o tom e ela delicadamente, disfarçava. Para não semear o pânico, eu imagino, é um trabalho difícil o de jornalista... não que fosse durar muito tempo de qualquer forma.

Lá fora, o mundo parecia estar acabando. Uma gargalhada profunda fugiu da minha boca. Que piada de mal gosto.

É porque estava! O fim havia chegado e não era nem de longe tão glamouroso quanto achamos que seria, era um meteoro, pouco menor que a terra. Um grande pedaço de pedra interestelar vindo a milhões de quilômetros por hora a mais de um ano, e ninguém sabia disso.

(ninguém além dos fanáticos e dos paranoicos é claro) 

Por um ano todo tipo de teoria de conspiração estava surgindo, eu não desacreditava ou botava fé, depois de um tempo você para de dar bola afinal de contas a humanidade adora o pânico da extinção iminente seja pra salvar a economia ou Hollywood. Mas ali estávamos depois de 300 mil anos de existência descobrindo que o fim finalmente, estava próximo. E eu não fazia ideia do que fazer. Entrar em pânico? Comprar um Camaro? Pra quê? Eu realmente queria passar minhas últimas 2h horas de vida surtando ou dentro de um carro que em breve viraria arte contemporânea contorcida? 

Um dia para o fim do mundo, cada ônibus, passagem de avião, trem ou bicicleta estaria alugado. Na televisão, grupos de astronautas acenavam vagarosamente para as câmeras, diziam algo sobre darem continuidade ao nosso legado, num mundo novo a muitos anos-luz daqui. Um humor sombrio tomou conta de mim quando pensei "Eu realmente espero que o foguete exploda" Não era inveja, longe disso eu não gostaria de estar no lugar deles. Era quase uma esperança sinistra de que a humanidade não tivesse a oportunidade de destruir mais nada. Mas que seja certo? Eu não estaria ali para ver.

Pra onde quer que eu vá, pensei, espero que não exista sociedade, eu preciso muito de uns anos-luz sem ninguém me enchendo o saco. Talvez eu vire uma bolinha brilhante no espaço? E talvez as crianças do mundo novo me deem um novo nome e conversem comigo quando seus tristes corações adolescentes forem quebrados e eles não tiverem para onde fugir naquela nave quadrada de metal, centenas de anos após seus avós assistirem seu planeta queimar. Eu seria uma boa estrela, brilhando no vácuo inerte pela eternidade. Mas eu queria brilhar sozinha?

Todo o filme da minha vida passava diante dos meus olhos, parecia uma sequência de erros e momentos que deveriam ter sido vividos com mais intensidade. Se eu soubesse que a vida terminaria aos 18 anos, eu teria feito algo diferente?

Provavelmente, tudo. Infelizmente, nada disso era possível.

E dentre todos esses momentos havia um, em específico cujo meu coração não suportava o peso de morrer com ele. Peguei o telefone e disquei aquele número que eu sabia de cor, 23h 45min, o que eu tinha a perder?

Após 2 chamadas perdidas o barulho continuo e irritante finalmente cessou dando lugar a uma voz de sono extremamente irritada:

"SÁBADO" disse a voz "É DIA DE DORMIR"

Eu sei, respondi, só queria te fazer uma pergunta.

"FODASE, PERGUNTA AMANHÃ" 

Eu ri. Ela não sabia, não fazia a menor ideia.

"Por favor..."

"tá bom, já me acordou mesmo... Que foi ein?"

"Se o mundo estivesse acabando... você viria?"

"você me acordou para me perguntar o que eu faria se O MUNDO TIVESSE ACABANDO? EU VOU TE MATAR" 

Ela na verdade, estava rindo também, eu sabia dizer pelo tom de sua voz.

"Responde, e você pode voltar a dormir"

"iria pra onde? Do que você tá falando?"

"Eu estou falando que, se tivesse um meteoro vindo na nossa direção e só tivéssemos 24 horas de vida e se você tivesse que levantar da sua cama imediatamente e fazer elas valerem a pena, o que você faria?"

Silêncio...

Ela suspirou e disse "eu não sei" "o que você faria?"

"eu iria até você... - respondi.

e você? Viria?"

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Ei galera... 23h pra eu fazer 18 anos e deixo vocês com esse texto que escrevi agora. Comente aqui em baixo o que acham que a voz no telefone respondeu, ela iria ou não? 

Vou usar o veredicto de vocês como verdade porque na vida real fico na dúvida.

(postei como um conto independente, curtam lá tbm ;)