Capítulo único.

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I

A bebida começava a fazer efeito, o corpo jogava de um lado para outro o movimento da cabeça. O ambiente rodava, quanto havia ingerido? Não importava. Virou outro copo, a sensação de ardência a consumia, era bom. O sentimento de esquecer tudo era bom. Entorpecida, esquecida, como quem costumava ser.

Aquilo a definia bem.

Esquecimento.

Todos se esqueceriam dela antes da noite acabar. + não tinha direito a nome próprio, mesmo tendo vários. + era sinal, simbologia, apagamento. + era dúvida, incerteza, constante. Não tinha uma letra, só dois traços.

Mesmo assim, guardava dentro de si uma chuva de pessoas.

De um lado, G se divertia. Rodeado de amigos, rodeado de pessoas que se importavam com ele, ou fingiam. Pessoas que o achavam divertido, gentil; garotas que dariam tudo para tê-lo como melhor amigo e caras que só o pegariam se não fosse tão passivo. Alguns beijavam sua boca, promíscuo, o ambiente gritava. O preconceito gritava, estava perto, mas as pessoas ainda não tinham tomado a frente. Ainda estavam ali, dançando com ele. Sentiu inveja, inveja da falsa-aceitação, inveja da fraude.

Às vezes, tudo que queria era ser uma possível fraude.

Todos já o consideravam fraude 24h por dia, então, o que custava ser por mais uma noite? Naquela balada lotada das ruas do Benfica, G era a definição de popularidade. O mais conhecido, o mais visto, o mais amado. Ainda assim, odiado quando saía porta a fora. O mundo era puro ódio contra ele, porém, ainda havia quem pregasse o amor. Os tempos estavam difíceis, tá okay? Nem todas as garotas se importavam com algo além das roupas escolhidas por G, nem todos os caras queriam ser vistos como G, nem tudo era fácil... só mais simples. A inveja passou a ser dor, se fosse para ser alguém, que fosse alguém real.

Naquele canto da boate, destoando de todos os outros, observou G ainda se elevar diante da plateia, devidamente embriagado com o cheiro do local e animado, gritando um pouco de músicas aleatórias e dançando como a sociedade estereotipa que se deva dançar em festas quando se é G. Uma parte de si sabia que odiava aquilo, que eles odiavam aquilo. O odiavam. Queria chorar, G sempre foi mais do que mostrava, alguém com uma personalidade grandiosa e um coração de fogo. Alguém com um amor imenso e imerso em padrões que tentava se encaixar na sociedade, como se, de forma desesperadora, precisasse se encaixar. Era o sonho daquele povo: se encaixar. Não sentir medo, não sofrer preconceito, não apanhar.

Não morrer.

G sabia dos riscos de se expor, todos sabiam, mas continuavam quebrando as barreiras, os medos, os riscos e as nuvens negras: fazendo chover identidades. Fazendo chover amor. Amor próprio, amor ao outro, aceitação.

Foi ele o primeiro que se aproximou dela, mesmo que estivesse com o semblante de quem não queria aquela conversa. Talvez, G tivesse alguns privilégios estranhos que, ao mesmo tempo que eram, não eram, mas que as pessoas engoliam como, porque ter pouco parecia melhor que não ter nenhum.

— Então, curtindo? — foi a primeira coisa que perguntou. Em sua essência, o arco-íris brilhava.

— É... tá legal. Só espero que não coloquem todos os créditos da festa para você como fizeram com a parada de São Francisco.

Riram um pouco, um pouco de nervosismo, um pouco de ânsia. A dose da realidade superava qualquer drink.

— Não sei... estão mudando. Aos poucos. Você não acha? — E era fácil para ele dizer que estava mudando... ele estava ali, se divertindo, sendo o ponto central.

As cores do Benfica [CONTO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora