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ARABELLA BLANCHARD
9 HORAS DEPOIS

– Admito que estou surpresa por você estar aqui – a mulher de cabelos curtos diz. Seus olhos são verdes como os meus, ela tem a estatura menor que a minha, mas tem o jeito mais elegante do que uma rainha.

– Também estou – murmuro olhando para os enormes vidros do seu consultório.

– O que te trouxe aqui pelo o segundo dia seguido? – Ela tem a sua agenda posta na mão e o gravador na mesinha a nossa frente, eu suspiro.

– Só precisava sair de casa, conversar – minha última confissão se parecia mais como um sussurro.

Tomo coragem e olho para a psiquiatra a minha frente, ela tem os olhos fixos em mim, semblante calmo e postura leve. Dra. Solther me conhece a dois meses e aguenta todas as minhas crises como se já soubesse que eu as vou ter antes mesmo de acontecer. No momento em que decidi vir para cá eu saberia que iria ter que responder um enorme questionário, mas qualquer lugar seria melhor que a minha casa.

– Vamos fazer algo diferente hoje – ela se levanta e anda até a sua mesa, ouço-a mexer em alguns papeis e franzo o semblante em dúvida.

– Como assim?

– Eu tenho muitos assuntos em aberto com você, em dois meses de consulta não conseguimos progredir muito, e isso está me preocupando, então eu irei falar todos os aspectos que eu observei e você me dirá qual deles você já está pronta para conversar. – Meus lábios se abrem levemente e eu suspiro, ótimo.

– Tudo bem – tento pensar racionalmente.

Estou a dois meses fazendo acompanhamento e parece que absolutamente nada em minha vida mudou, mas eu sei que isso é minha culpa, que eu não estou sendo sincera o suficiente, que não estou me esforçando. A maneira de Solther tentar me entender é válida, eu apenas irei responder o que me sentir a vontade, sem pressão. Me ajeito melhor na poltrona e cruzo minhas pernas, sei que parece ser arrogante, mas admito que estou assustada com a situação.

– Vamos começar – ela se senta em minha frente com um papel digitado na mão – Se você não se sentir à vontade em nenhum momento com que estou dizendo, apenas peça para eu parar, e eu paro – ela me assegura e eu apenas assinto engolindo em seco. – O que você se lembra daquela noite?

– Você sabe, está no laudo policial – dou de ombros e desvio o olhar do dela.

– Certo – ela entende que não quero conversar sobre isso – Por que a primeira coisa que você fez foi tomar um banho?

Sinto meu coração gelar com a pergunta e fecho os olhos, meu peito sobe com a angustia e tento recrimina-la, minhas mãos começam a suar e tento as limpar na minha calça jeans, mas de nada adianta.

– Não quero falar sobre isso.

– Por que depois de 7 dias sem sair da sua casa, sem conversar com a sua família, a primeira coisa que você fez foi sair para cortar o seu cabelo?

Ok. Chega, eu irei enlouquecer. Levanto do sofá e sinto falta de ar, meu coração bate descontroladamente e fico andando de um lado para o outro, meu corpo fica gélido, com o suor frio, tento me recompor, mas não consigo, sinto meus pulmões perdendo o ar levemente e a doutora apenas se levanta, pega em minha mão e olha profundamente em meus olhos. Ela faz um gesto de respiração para que eu acompanhe, eu inspiro e expiro com dificuldade, sentindo as lágrimas no canto dos meus olhos, e ela apenas fica me observando, olhando a minha ruína.

– Não espero que você me responda todas as perguntas, mas que você pense nelas como um exercício, quando você conseguir pensar consigo mesma sobre esses assuntos, você conseguirá falar para mim.

𝐀𝐑𝐀𝐁𝐄𝐋𝐋𝐀Onde as histórias ganham vida. Descobre agora