3. Amar (paratextualidade)

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Amar

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Carlos Drummond de Andrade

Que eu vejo com esse poema? Que sensação desperta?
Eu não vou a mentir, não foi fácil ouça. Minha escuta do português não é muito boa. Eu tinha que ouvir o video da Marília Pêra recitando o poema com a traduçao em mãos.
Mas uma vez que eu entendi, coloquei a traduçao de lado, ouvi e senti.

O Carlos Drummond fala o amor como uma procura inerente do ser amoroso que roda como roda o universo. Como um movimento cósmico.
Eu gosto dessa parte.
E fala que amor implica amar as cousas não belas também. Esso é muito certo.

Mas é ênfase em as cousas murchas e inóspitas gera um sentir azedo, um choro silencioso, um medo tácito como um fantasma.

Para mim, o amar é também uma vontade de crescer com um outro seja amigo, amante ou irmão.

Amar é construir. Construir e descobrir.

Sim, eu concordo com don Drummond, amar é amar as partes secas e asperas, mas também amar é plantar sementes sem esperar pelos frutos, apenas a resposta daquele outro refletindo esse amar.

Um argentino aprendendo portuguêsWhere stories live. Discover now