— Por que você não se lembra de nada?

Engulo em seco. Isso não tem nada a ver. Não tem. É completamente diferente do que aconteceu quando eu estava na mata. Estou falando de uma coisa que aconteceu ontem, não de anos atrás.

Não. Não.

Me endireito de uma vez e encaro Vanessa.

— Eu pensei nisso. Sobre eu não me lembrar de nada, nem de perguntar o que importa. Eu pensei que podia ter alguma coisa a ver, que no mínimo era mais uma coisa estranha...

E os sonhos. A sensação de que eu conheço aquele homem.

— Mesmo se você tivesse conseguido perguntar, eu não teria respondido nada — Vanessa fala. — Nem Nero. Não podemos arriscar sem saber de onde vem isso tudo sobre sua falta de memória.

— Eu não...

— E o risco não é só para você — ela me interrompe. — Se fosse, sim, seria sua escolha. Mas não é.

— Então você não vai me contar nada até eu me lembrar do que aconteceu aqui quando eu era criança.

Vanessa balança a cabeça.

— Me desculpe, de verdade. Mas não posso contar nada.

Não. Não assim. Eu preciso saber o que está acontecendo e pelo menos a resposta de Vanessa já serviu para me dar certeza de que não foi uma alucinação. E isso tem a ver com tudo o que eu esqueci, de alguma forma.

Bebo o resto do café de uma vez e me levanto.

— Obrigada.

Não sei como ainda consigo falar isso. Minha vontade é xingar, só isso. Vanessa tem as respostas. E se ela não vai falar nada...

Rafaela. É isso. Rafaela é louca o suficiente para acreditar em mim e para me contar se souber de alguma coisa.

Vanessa não fala nada quando pego minha mochila e saio pela porta que dá para o quintal. Ótimo. Eu entendi o que ela falou sobre não poder me contar por que tem algum risco e tudo mais. Juro que entendi. Mas... Eu preciso saber. Simples assim. Preciso entender. Minhas memórias, o rio, o homem-cobra... Tudo está ligado e eu não consigo ignorar essa sensação de que estou perdendo alguma coisa importante.

Não me dou ao trabalho de dar a volta na casa para sair na rua de novo. Não. Eu vou é direto atrás de Rafaela. Sei que deveria estar cansada, mas não estou. Quer dizer, não o tanto que achei que estaria depois de três dias de caminhada, então andar mais um pouco não vai me matar.

Atravesso a propriedade vazia do lado da hospedaria e entro na mata de novo. Dessa vez é só um atalho – é mais fácil atravessar por aqui até a trilha que vai para a casa de Rafaela do que dar a volta toda para ir para a rua, seguir o caminho para a praia e depois virar na trilha certa. Não que eu tenha ido muitas vezes na casa dela, mas... Isso parece certo.

Rafaela é conhecida como a bruxa da cidade. Ela mora sozinha em uma casa um pouco fora do caminho entre a cidade e a praia e nos meses mais movimentados, quando por algum motivo aparecem pessoas de fora para curtir a praia, ela vende lembrancinhas, artesanato, leituras de tarô e mais umas tantas coisas do tipo. No resto do ano ela vende ervas e chás medicinais para o pessoal da cidade e eu não faço ideia de como é que ela consegue viver disso.

E ela é amiga de Vanessa, o que quer dizer que foi uma das primeiras pessoas daqui que conheci. Não que eu tenha tanto contato assim com ela, mas Rafaela às vezes precisa de ajuda com as compras quando vem na cidade, uma vez a cada duas semanas ou menos.

Água e Fúria (Entre os Véus 2) - DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now