Capítulo dois - O que eu sou?

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Capítulo um

O hospício

            Abro meus olhos, não sei quanto tempo eu dormi, não sei há quanto tempo eu estou aqui, já faz dias desde que eu não vejo a luz do sol. Só vejo uma luz artificial que nunca desliga. Uma luz branca em meio a uma sala completamente branca.

            Não me levanto, porque sei que não há nada para eu fazer aqui dentro. Já conheço o procedimento, eles vão me pegar alguma hora e cortar meus cabelos por completo. É o que eles chamam de recaída.

            Muitas das garotas que moram aqui não possuem cabelos longos, isso tudo porque aqueles homens de branco que se intitulam médicos, acham que as garotas vão engolir os seus próprios cabelos, ficarem engasgadas e morrerem. Não que seja esse o único meio de tentativa de suicídio por aqui, mas esse é o menos doloroso.

            Já estou aqui a uns cinco ou seis anos, eu morava com uma mulher, Cassandra, mas eu descobri a verdade.  Eu não parei aqui porque fui adotada, não pense isso. Eu parei aqui porque descobri algumas coisas sobre a minha família. A minha família de verdade.

            Acabei abrindo minha boca para quem eu pensei ser minha amiga, então ela falou para a minha mãe adotiva, Cassandra, e vim parar aqui, nesse circo de horrores que chamam de orfanato, mas eu sei o que é. Um hospício.

            No começo eu me comportava muito mal, e sempre vinha parar numa dessas salas brancas, sem móveis. E eles nunca deixavam meus cabelos crescerem, eles sempre os cortavam. Mas então eu descobri o bilhete de ouro para que os homens de branco me deixarem em paz. Eu tenho que fingir que não sei nada sobre a minha família, tenho que fingir que o mundo não vai acabar.

            Por anos eu consegui que me deixassem em paz, esqueceram até do meu cabelo, que agora estava comprido o suficiente para cair sobre minhas costas.

            Mas infelizmente, houve uma briga alguns dias atrás, uma garota, Nathalie, que eu conheci aqui no “orfanato” me chamou de louca quando descobriu o porquê de eu estar aqui. No começo eu achei até engraçado porque todos nós somos loucos aqui dentro, afinal foi por isso que viemos parar aqui. Mas depois, por todo lugar onde eu passava, um bando de loucos olhava para mim e riam da minha cara, como se fosse eu quem tivesse problemas aqui e não eles. Como se eu fosse à louca e não eles.

            Um dia eu resolvi falar com a Nathalie, mas eu acabei exagerando um pouco na troca de palavrões, e acabei pulando em cima dela e usando sua cara de saco de pancadas. Acho que por esse motivo as pessoas ainda acham que eu sou louca, acho que por esse motivo vão cortar mais uma vez meu cabelo, por esse motivo vou passar o resto da minha vida aqui, com outros doentes mensais como eu.

            O silêncio dentro da sala é tão grande que posso ouvir de longe os passos de alguém vindo do início do corredor do lado de fora do meu quarto.

            Levanto-me e fico a espera de quem quer que fosse. Me arrumo da melhor forma possível, ajeito minha blusa e minha calça branca, de forma para não parecer uma completa aberração, arrumo meus cabelos e passo minha mão no emaranhado de fios oleosos e uso meus dedos como pente. Pelo que eu me lembro meus cabelos eram lisos e loiros, mas alguns anos nesse lugar fizeram meus cabelos ficarem oleosos e escuros.

            Seja lá quem estava andando no corredor, parou. E parou bem em frente à porta que dá acesso ao meu quarto, posso ver a sombra de dois pés por baixo da porta. A porta só tem maçaneta por fora, mas de qualquer forma posso ouvir a maçaneta se abrindo.

SolstícioOù les histoires vivent. Découvrez maintenant