Capítulo VI - Passeio no Parque

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Anne enrijeceu. Ela não tinha tanto apreço por Charlie Sloane, mas ele era de Avonlea e nenhum forasteiro tinha o direito de rir dele.

— Charlie e Gilbert sempre foram amigos – respondeu, com frieza. — Charlie é um bom rapaz. Não pode ser culpado pelos olhos que tem.

— Não diga isso! Ele é! Deve ter feito algo terrível em outra encarnação para ser punido com aqueles olhos. Pris e eu vamos nos divertir muito às custas dele esta tarde. Vamos fazer graça dele debaixo do próprio nariz e ele nunca saberá.

Sem dúvida, as "travessas P's", como Anne as chamava, levaram a cabo seus propósitos nada cordiais. Mas Sloane, por sorte, permaneceu alegremente ignorante. Considerava-se um rapaz boa pinta por estar acompanhado das duas colegas, especialmente Philippa Gordon, que era a beldade da turma. Isto certamente deveria impressionar Anne. Deste modo, ela veria que algumas pessoas o apreciavam por todo seu valor.

Gilbert e Anne caminhavam atrás, um pouco distante dos outros, desfrutando da tranquilidade e da estática beleza da tarde outonal sob os pinheiros do parque, na alameda que subia e serpenteava em torno da costa do porto.

— O silêncio aqui é como uma oração, não é? – perguntou Anne, olhando para o céu claro. — Como amo os pinheiros! Parece que suas raízes estão profundamente entremeadas no romance de todos os tempos. É tão reconfortante chegar aqui de vez em quando para uma boa conversa com eles! Sempre me sinto muito feliz neste lugar.

— "E assim como nas solidões montanhosas, surpreendidos, como se por um feitiço maravilhoso, caem deles suas preocupações, como espinhos ao sacudir do pinheiro tempestuoso" – citou Gilbert. — Eles fazem com que as nossas pequenas ambições pareçam um pouco insignificantes, não fazem, Anne?

— Penso que se algum dia me sobrevier uma grande tristeza, eu virei aos pinheiros em busca de conforto – respondeu a sonhadora Anne.

— Espero que nenhuma grande tristeza jamais lhe sobrevenha, Anne – redarguiu o rapaz, que não conseguia conectar a ideia de tristeza com a vívida e animada criatura ao seu lado, ignorando que aqueles que conseguem atingir os mais altos cumes também são os que se precipitam nas maiores profundezas, e que as naturezas que gozam com o máximo entusiasmo são as que sofrem com mais severidade.

— Mas isso deverá acontecer... um dia – meditou Anne. — A vida parece uma taça de glória tocando meus lábios neste momento. Mas deve haver nela alguma amargura, pois sempre há em qualquer taça. Eu devo provar a minha algum dia. Bem, espero ser forte e corajosa para enfrentá-la. E espero que não me aconteça por minha culpa. Você se lembra do que o Dr. Davis disse no sermão do último domingo? Que os pesares que Deus nos manda trazem consigo conforto e força, enquanto as tristezas que buscamos por conta própria, por nossa estupidez ou maldade, são as mais difíceis de suportar? Mas não devemos falar de tristeza numa tarde como esta, que só deveria despertar alegria de viver, não é verdade?

— Se dependesse de mim, apartaria de sua vida tudo o que não fosse felicidade e prazer, Anne – disse Gilbert, num tom que significava "perigo à vista".

— Então você seria muito insensato – ela replicou, prontamente. — Estou certa de que nenhuma vida pode ser apropriadamente desenvolvida e preenchida sem alguma provação e tristeza... embora eu suponha que só admitimos isso quando estamos muito tranquilos. Vamos! Os outros chegaram ao gazebo e estão nos esperando.

Sentaram-se todos juntos no pequeno refúgio para contemplar o pôr do sol outonal, uma mistura de profundo vermelho fogo e tons de dourado pálido. À esquerda estava Kingsport, com seus telhados e pináculos ofuscados num véu de fumaça violeta. À direita estava o porto, com matizes rosados e acobreados, como se estivesse estendendo-se ao ocaso. Diante deles a água tremulava, acetinada e prateada; e, mais além, surgia por entre a neblina a Ilha de William, guardando a cidade como um robusto cão de guarda. A luz do farol irrompia através da bruma igual a uma estrela sinistra, a qual respondiam outras no horizonte distante.

— Já viram algum local de aparência mais vigorosa? – perguntou Philippa. — Não me importo especialmente com a Ilha de William, mas tenho certeza de que não a conquistaria se quisesse. Vejam a sentinela no topo do forte, bem ao lado da bandeira. Não parece ter saído de um romance de aventura?

— Falando de romances – disse Priscilla – estávamos procurando pelas urzes; mas, é claro, não conseguimos encontrar nenhuma. Acho que a estação está muito adiantada.

— Urzes! – exclamou Anne. — Urzes não crescem na América, crescem?

— Só existem dois canteiros em todo o continente: um exatamente aqui no parque e outro em algum lugar em Nova Scotia, esqueci onde – explicou Phil. — O famoso Regimento Escocês das Terras Altas, a Patrulha Negra, acampou aqui durante um ano e, quando os homens sacudiram os colchões de suas camas na primavera, algumas sementes de urze que estavam entre as palhas que os recheavam caíram e criaram raízes.

— Oh, que maravilha! – comentou a encantada Anne.

— Vamos para casa dando a volta pela Avenida Spofford – sugeriu Gilbert. — Poderemos ver todas as belas mansões onde a nobreza reside. A Avenida Spofford é a rua residencial mais elegante de Kingsport. A menos que seja milionário, ninguém consegue construir ali.

— Oh, vamos! – exclamou Phil. — Há um lugarzinho extremamente gracioso que quero lhe mostrar, Anne. Não foi construído por um milionário. É a primeira casa que se vê quando saímos do parque, e deve ter nascido enquanto a Avenida Spofford ainda era uma estrada secundária. Ela nasceu – não foi construída! Não me importo com as residências da Avenida. São muito novas e repletas de vidro. Mas este lugarzinho é um sonho, e tem um nome... mas espere até vê-lo.

Viram-no quando caminhavam pela colina margeada de pinheiros do parque. Precisamente no topo, onde a Avenida Spofford transformava-se numa via plana, havia uma casinha branca com telhado de duas águas longamente inclinado, com pinheiros agrupados em ambos os lados a estenderem seus braços protetores sobre o teto baixo da habitação. Estava coberta por trepadeiras vermelhas e douradas, através das quais espiavam as venezianas verdes fechadas. Na parte dianteira existia um pequeno jardim rodeado por um muro baixo feito de pedras. Apesar de já ser outubro, o jardim ainda estava muito perfumado e apresentava diversos tipos de flores e arbustos obsoletos e preciosos, que não pareciam deste mundo: abrótanos, verbenas, flores-de-mel, petúnias, calêndulas e crisântemos. Uma minúscula trilha de ladrilhos em zigue-zague ia do portão até a varanda da frente. Todo o lugar parecia ter sido transplantado de um remoto vilarejo no campo; mas, ainda assim, havia algo ali que fazia o vizinho mais próximo – um enorme palácio num gramado cercado que pertencia a um rei do tabaco – parecer extremamente rude, artificial e mal construído em contraste. Como Phil dissera, percebia-se bem a diferença entre ter nascido e ter sido construído.

— É o lugar mais adorável que já vi! – disse a extasiada Anne. — Fez-me sentir um dos meus velhos e deliciosos arrepios. É mais terna e excêntrica do que a casa de pedras de Miss Lavendar.

— Quero que preste atenção especialmente no nome – prosseguiu Phil. — Veja as letras brancas sobre o portão, ao redor da arcada: "Patty's Place". Não é um nome gracioso? Especialmente nesta avenida cheia de Pinehursts, Elmwolds e Cedarcrofts? Patty's Place, ao seu dispôr! Eu adorei!

— Tem alguma ideia de quem seja Patty? – perguntou Priscilla.

— Patty Spofford é o nome da senhora idosa que é a proprietária, conforme descobri. Ela mora com a sobrinha e as duas vivem aí há centenas de anos, mais ou menos; talvez um pouco menos, Anne. O exagero é só uma licença poética. Averiguei que muitos cavalheiros abastados já tentaram comprar o terreno várias vezes – e realmente vale uma pequena fortuna agora, sabiam? –, mas Patty não o venderia, independentemente do valor. E tem um pomar de maçãs atrás da casa, ao invés de um pátio dos fundos, que vocês poderão ver quando passarmos um pouquinho adiante, um verdadeiro pomar de maçãs na Avenida Spofford!

— Vou sonhar com Patty's Place esta noite – murmurou Anne. — Ora, sinto como se pertencesse a este lugar. Pergunto-me se, por alguma casualidade, poderemos ver o interior da casa... um dia.

— Não me parece provável – respondeu Priscilla.

Anne sorriu misteriosamente.

— Não, não é provável. Mas acredito que isso irá acontecer. Estou com uma sensação esquisita, arrepiante e formigante – podem chamar de pressentimento, se quiserem – de que Patty's Place e eu ainda seremos boas amigas.


Anne da Ilha | Série Anne de Green Gables III (1915)Donde viven las historias. Descúbrelo ahora