Capítulo Cento e Dois

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Há uma semana que Júlia se mantém isolada no seu reino cor-de-rosa, entre os personagens fictícias das suas histórias de encantar. Mais frágil que os irmãos, ela se protege de uma realidade que não quer aceitar. E, por isso, não fala da perda dos pais.

- É preciso estarem muito atentos  Ela está em choque e não tem consciência disso. Está a reagir com se não tivesse acontecido nada.

A opinião do Pediatra Jack deixa Ana seriamente preocupada.

- A última vez que Juju falou dos pais foi no dia em que lhe contamos o que aconteceu  Agora só fala nas fadas. Será que eu devia de puxar o assunto?

- Não, nada disso! Enquanto não for ela a falar dos pais, é importante que ninguém o faça. - aconselha Jack.

- Mas o que é que podemos fazer para a ajudar?

- Fazê-la se sentir segura e... esperar.

A sensação de impotência perante a dor de Juju desarma Ana. Aquela menina doce e sensível refugia-se nas suas histórias com finais felizes, de fadas e princesas, para não sofrer. Mas é ela a que sofre mais, por mais que seja em silêncio.

Por muito que lhe custe, Ana vai respeitar a opinião de Jack e deixar que seja Juju, ao seu ritmo, a enfrentar a realidade.

- Mas é uma espera desesperante! - diz Christian, também preocupado com a princesa.

- Vamos confiar em Jack, Christian. Ele está a acompanhar Júlia não, não nos vai deixar sozinhos.

- E se Jack estiver errado? Ele é um garoto, como nós.

- Um garoto em quem Mia confiava...

- E em quem você confia cegamente, não sei porquê! - diz Christian, claramente com ciúmes. - Quando ele entra cá em casa, você esquece que nós existimos e fica só de sorrisinhos para ele.

A reação dele apanha Ana desprevenida, mas arranca uma gargalhada dela.

- Eu não acredito... Você está com ciúmes! - exclama divertida.

- Ciúmes?! De um moleque todo certinho e penteadinho?

Sim, eram ciúmes.

Quem diria?

Anastásia fica surpreendida, mas secretamente satisfeita.

Seria possível que ele gostasse dela?

É realmente difícil para Ana confiar nos rapazes, ainda por cima, num rapaz como Christian, um quebra-corações nato.

Ela já ouviu rumores sobre a fama dele, até tinha visto com os seus próprios olhos quando a namoradinha Amélia, ou seja lá o que ela fosse, apareceu lá em casa. E, por muito que lhe custasse admitir, Christian a deivaxa de pernas bambas e o coração aos pulos.

Era preferível ela se afastar, para terem uma relação melhor, já que agora viviam debaixo do mesmo teto.

- Quando é que vamos conversar, Ana? - pergunta Christian, num sussurro.

- Conversar sobre quê?

Fugir ao assunto era a estratégia dela, desde o beijo que tinham dado na noite anterior ao concerto. A vida meteu-se pelo caminho e eles concentraram-se em ser apenas a Babá e o Tio. Mas agora, passado uma semana, Christian acha que deve de esclarecer as coisas para Anastásia.

- É verdade que nós não temos tido tempo para respirar. É a casa, é as crianças, a reação de Júlia... Mas sei que você sente o mesmo que eu sinto por você!

A confiança dele a impressiona! Tem vontade de dizer que não sente nada daquilo mas também não consegue mentir.

- Oh, Christian, por favor... - experimenta Ana fugir, mais uma vez ao assunto.

- Não vamos ficar os dois nesta casa a fingir que não sentimos nada um pelo outro! - exclama ele, enquanto se aproxima dela.

- Christian, Mia pediu que nós tomassemos conta dos meninos.

- E é o que vamos fazer, também. Isso não nos impede de...

A pequena pausa é o pretexto que Ana precisa para colocar em xeque.

- Impedir-nos de quê? O que é que você quer mim, exatamente? Se é que você sabe...

- Não precisamos de saber sempre tudo... - responde ele, com um sorriso.

- Você pode não precisar, mas eu preciso. Somos diferentes, Christian. Muito diferentes. Meta isso na sua cabeça!

O sim da campainha impede que Christian responda. Ele olha para o relógio, apreensivo.

- Deve ser o técnico da Segurança social.

- Vem cá um técnico?

É a primeira vez que Ana ouve falar no assunto. 

- É uma formalidade. - explica Christian. - As crianças ficaram sem os pais, é normal que a Segurança Social queria se certificar que há um adulto responsável a quem possa atribuir a guarda legal.

- E esse adulto responsável é você.

O tom de ironia de Anastásia é evidente, mas Christian sabe que ela está a brincar.

- Se me contassem há uns meses atrás, eu também não acreditava. Qualquer dia estou tão certinho e penteadinho como o seu amiguinho Jack. Pode ser que nessa altura você confie mais em mim.

Aquilo a faz sorrir. Aqueles ciúmes parvos por Jack outra vez! Se alguém lhe contasse, era ela quem não acredita.

A insistência da campainha lembra-os de que está alguém à porta. Alguém que, pelos vistos, está ansioso por entrar!

First Love (CONCLUÍDA)Where stories live. Discover now