DOIS - Parte 1

Depuis le début
                                    

Respiro fundo quando os três pesquisadores saem da hospedaria pela porta dos fundos e começam a vir na minha direção. Vanessa para na varanda por um instante, olhando para mim, antes de entrar na casa. Certo. Nada demais nisso. Nada mesmo. Não tenho por que começar a achar que tudo tem uma segunda intenção ou coisa do tipo.

— Não se esqueça — Nero começa. — O rio é imprevisível nessa época do ano.

— Aham.

— E se eles quiserem recolher amostras de noite...

Suspiro e pego minha mochila enorme, que deixei encostada no muro. Minha vontade é responder um "certo, pai", mas não tenho intimidade o suficiente para fazer esse tipo de brincadeira. Agora, que Nero está parecendo um pai preocupado, isso ele com certeza está.

— Eu deixo eles irem sozinhos e fico no acampamento. Eu ouvi da primeira vez, Nero.

Ele assente e se afasta do arco.

Eu devia ter ficado calada. Aí talvez ele esperasse mais um pouco e...

E que diferença isso faria? Nenhuma. Posso não estar lá muito confortável com os pesquisadores, mas não acho que eles vão fazer alguma coisa. Se achasse não teria aceitado isso nem se me oferecessem uma fortuna. É só uma impressão de que estão escondendo alguma coisa, que não acho que seja paranoia minha, mas também só estou sendo paga para ser uma guia. Mais nada. É óbvio que não vou saber de tudo que querem fazer.

Não vou mudar de ideia. Se isso der certo, é algo que posso continuar fazendo. Posso organizar passeios na mata, aproveitar aquela coisa toda da curiosidade com o proibido, o perigoso.

Mas primeiro tenho que fazer esses três dias funcionarem.

Coloco a mochila nas costas e forço um sorriso. Hora de trabalhar.

São três pesquisadores: Marcos Silveira, que foi quem organizou a vinda deles para cá, Robervan Sousa e Clarisse Medeiros. Cada um deles tem uma especialização, mas já considero um milagre eu ter decorado os nomes deles, nunca que vou me lembrar de quem faz o quê.

Marcos fala alguma coisa com os outros dois antes de acelerar o passo.

— Bom dia! Pensei que você fosse demorar mais.

O tom de voz dele é certo. Amigável, sem achar que tem intimidade, sem nem dizer nada demais. E mesmo assim consegue me fazer pensar que ele queria dizer outra coisa. Talvez que queria que eu tivesse me atrasado. Paranoia louca.

Dou de ombros. Droga. Tenho que parar de fazer isso, a mochila está bem pesada.

— Nós combinamos um horário, não é? Se eu demorasse, não ia dar tempo de chegar onde vamos passar a noite.

Pronto. Perfeitamente profissional. Até parece que eu sei o que estou fazendo.

Ele ri e assente.

— É, a dona da hospedaria fez questão de avisar que as pessoas que desaparecem normalmente estão na mata de noite.

Claro que Vanessa avisou. Do mesmo jeito que ela falou comigo como se soubesse exatamente por que as pessoas desaparecem. E eu fui uma idiota e não insisti para ela contar o que sabe.

Ugh. Por que é que eu faço essas coisas?

Não que eu possa voltar agora para perguntar... Faço isso quando esses três dias na mata acabarem.

E quanto mais rápido entrar na mata, mais rápido vou parar de ficar pensando nisso. Só tem uma coisa antes...

— Tudo pronto? Vocês falaram que iam providenciar as barracas...

Porque esse foi o combinado: que eles pagariam pela comida pelos três dias, que teria que ser comprada na cidade e feita – por eles – e que também arrumariam uma barraca para mim. Sim, deixei o mínimo de trabalho possível para mim por motivos óbvios de não sei o que estou fazendo. Marcos disse que já tinham pensado nessa possibilidade, que a chance de acharem alguém que não tivesse uma barraca era grande, mas não quero correr o risco de estar de noite, no meio do mato, e descobrir que esqueceram disso.

Robervan dá um tapa na mochila enorme que Clarisse está carregando.

— Providenciado.

— Eu já falei... — Clarisse resmunga antes de olhar para mim. — Nós vamos dividir uma barraca. Espero que não se incomode.

Incomodar, até que não. Mas eles me passariam mais confiança se tivessem falado isso antes.

Eu preciso do dinheiro. Só isso. Dinheiro. Experiência. Depois posso fingir que nunca nem vi eles.

— Sem problemas. Vamos indo, então?

Marcos olha para os outros dois e eles assentem. Ótimo.

Respiro fundo, ajeito as tiras da mochila no ombro e entro na mata.

Água e Fúria (Entre os Véus 2) - DEGUSTAÇÃOOù les histoires vivent. Découvrez maintenant