A incógnita do destino (ou a rotina mundana de um jovem assalariado)

3 2 0
                                    

 Eu nunca saí.

 Não que eu nunca tenha saído de casa, nem do armário, longe disso. Atendendo à soberba necessidade de justificar o meu pensamento metafórico, numa luta tão rasa quanto artificial de criar algum tipo de significado para o meu ser por meio de uma pressuposta inteligência, gosto de enxergar as coisas de diversas formas. Todas as facetas que a subjetividade pode criar a respeito de uma frase, uma palavra, é realmente uma das maiores alegrias de se ser um ser cognoscente. Por isso, quando afirmo que "eu nunca saí," digo que nunca consegui verbalizar o turbilhão de informações que permeiam a minha mente.

 Eu realmente não sei como isso se constitui, na verdade. Só sou assim, e possivelmente é perceptível pela forma com que as palavras se conectam neste mesmíssimo relato. No fim, acaba virando só mais um conjunto de sensações em comum de todos os seres humanos, que se relacionam de uma forma ou de outra com as percepções que decido trazer à tona no meu palanque virtual. É nojento, não é? Ter uma sensação parecida com eles porque, infelizmente, a normatividade embutida na sua condição inicial de pertencer à mesma espécie lhe programa pra ser assim.

 Eu realmente não sei, mas, quando vou à escola, paro no meio do pátio, estico o meu braço para o céu e tento agarrar o Sol. Um tipo de prazer momentâneo, que quebra a minha ilusão de sucesso a partir do momento que a realidade se impõe. Assim como, quando ando de trem, me imagino quebrando o vidro ao me jogar pelos trilhos. Não com uma pretensão suicida, mas, mais como uma contemplação do absurdo, um escapismo de segundos em meio ao dia a dia. Todas essas minhas queixas são tão mundanas, não? De fa---

- Professor Tojo! Você tá aí?

Interrompo a minha leitura e olho para a porta, de onde a voz vinha. Não era raro que algum aluno voltasse depois do horário de aula pra perguntar alguma coisa, ou pegar um caderno que esqueceu. Tanto faz, eu nem tô mais aqui, mesmo. É só o que os outros professores fazem e eu escuto na hora do café. Hoje eu fiquei aqui porque... esqueceram uma folha com um monte de melodrama niilista em cima debaixo da mesa. Essa é a geração! Estão mais criativos que a minha, com certeza!

- Oh, Hana-chan! Ainda ansiosa com a prova de amanhã?

- Prova? Do que você tá falando, professor?

- Como assim, a representante de classe não sa--

- Não era pra você acordar agora?

Um barulho irritante, próprio de um alarme com toque padrão de um smartphone qualquer, me acorda. Já noto que vai ser mais um atraso no meu cotidiano, o que... já é típico. Para um professor de história do ensino médio? Posso dizer para meus alunos que os minutos que atrasei não serão nada quando olharem para trás na história humana, afinal... eu vou parecer legal.

Que sonho bizarro. Honestamente, a Hana-chan? Ela é uma boa garota, mas eu odeio quando volta todas as aulas pra me perguntar coisas que não tem nada a ver com o conteúdo. Por pura curiosidade, ainda por cima. Imagine, gostar de algo genuinamente e querer aprender mais por livre e espontânea vontade? Impossível pra mim. Na verdade, só faço isso com meus hobbies, que é o que me dá motivação pra levantar todos os dias. E outra coisa... aquela carta. O que diabos era aquilo? Parece que o meu eu adolescente tá fazendo uma visita no mundo sobrenatural. 

Daqui a pouco isso aqui vira algum tipo de história com viagem no tempo, em que eu encontro o meu eu do passado e juntos descobrimos uma cura para a depressão ao analisar o que gerou nossos mecanismos de defesa emocionais. Perfeito. Palmas. Já consigo uma novel na Dengeki.

8:25

A vivacidade no ar das salas de aula. O cheiro de vontade e motivação para lidar com a vida, refletido no estridente grito dos adolescentes ao expressar os descontentamentos com problemas mundanos. Foi pra isso que eu fui cinco anos pra faculdade. Com certeza.

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Apr 20, 2020 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

Jornada Contemporânea Imaginativa e DesesperançosaWhere stories live. Discover now