Capítulo I - Um Vizinho Irado

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Quanto a lavar louças, Mr. Harrison nunca tinha nenhuma intenção de fazê-lo, a menos que sobreviesse um domingo chuvoso. Então ele ia ao trabalho e lavava toda a louça de uma vez no barril cheio de água da chuva, e a deixava ali para secar.

Novamente, Mr. Harrison foi "sovina". Quando lhe perguntaram se poderia contribuir com o salário do Reverendo Allan, retrucou que primeiramente teria que esperar para ver quanto valeria sua pregação, pois não queria comprar gato por lebre. E quando Mrs. Lynde foi pedir uma contribuição para a Sociedade Assistencial da Igreja e do Auxílio para as Missões Estrangeiras, e acidentalmente espiar o interior da casa, Mr. Harrison respondeu que existia mais pagãos entre as velhas fofoqueiras de Avonlea do que em qualquer outro lugar que conhecesse, e que contribuiria alegremente para a missão de catequizá-las se ela tomasse essa incumbência. Mrs. Lynde pôs-se dali para fora, dizendo que era uma sorte Mrs. Robert Bell estar a salvo no túmulo, pois lhe teria despedaçado o coração ver o estado da casa da qual ela tanto se orgulhara.

— Ora, ela esfregava o piso da cozinha num dia e no outro também – disse Mrs. Lynde para Marilla Cuthbert, de maneira indignada –, e se você visse como está agora! Tive que erguer minhas saias enquanto passava pela porta!

Por fim, Mr. Harrison criava um papagaio chamado Ginger. Ninguém em Avonlea tinha criado um animal desses antes, e, consequentemente, este procedimento era considerado muito pouco respeitável. E que papagaio! Se fossem levadas em consideração as palavras de John Henry, não havia pássaro mais herege. Xingava terrivelmente. Mrs. Carter teria tirado o filho dali na mesma hora se tivesse certeza de encontrar outra ocupação para ele. Ademais, Ginger arrancara um pedaço do pescoço de John Henry um dia, quando ele se aproximou demais da gaiola. Mrs. Carter mostrava a todos a marca, quando o azarado garoto voltava para casa aos domingos.

Todas essas coisas passaram pela mente de Anne quando Mr. Harrison estava em pé diante dela, aparentemente emudecido de fúria. Mesmo em seu humor mais agradável, Mr. Harrison não poderia ser considerado um homem elegante: ele era baixo, gordo e careca; e agora, com o rosto redondo vermelho de raiva e os proeminentes olhos azuis quase saltando das órbitas, Anne achou que ele era a pessoa mais feia que já tinha visto.

Subitamente, Mr. Harrison encontrou sua voz:

— Eu não tolerarei mais isso, nenhum dia mais! Ouviu, senhorita? – ele gaguejou. — Pela minha alma, esta é a terceira vez, senhorita; terceira vez! A paciência deixou de ser uma virtude, moça. Eu avisei à sua tia, da última vez, para não deixar isto acontecer de novo, e ela deixou... ela deixou... e o que ela quer com isso é o que eu quero saber! É por isso que estou aqui, senhorita!

— O senhor pode me explicar qual é o problema? – perguntou Anne, da forma mais digna. Ela vinha praticando consideravelmente tais modos nos últimos tempos, para tê-los bem ensaiados quando as aulas recomeçassem. Mas seus modos não pareciam produzir nenhum efeito no irado J. A. Harrison.

— Problema, é? Pela minha alma, problema o bastante, devo pensar! O problema é, senhorita, que encontrei essa vaca Jersey da sua tia nas minhas aveias novamente, nem meia hora atrás. É a terceira vez, veja bem! Eu a encontrei na última terça-feira, e ontem. Vim até aqui e disse à sua tia para não deixar isso acontecer de novo; e ela deixou! Onde está sua tia, moça? Eu queria vê-la só por um minuto, para dizer-lhe o que penso – o que pensa J. A. Harrison, senhorita!

— Se o senhor se refere à Miss Marilla Cuthbert, ela não é minha tia, e ela foi até East Grafton para ver uma prima distante que está muito doente – respondeu Anne, com devido aumento de dignidade em cada palavra. — Sinto muito que minha vaca tenha invadido suas aveias; ela pertence a mim, e não a Miss Cuthbert. Matthew comprou-a de Mr. Bell e deu-a de presente para mim há três anos, quando ela era uma bezerra.

Anne de Avonlea | Série Anne de Green Gables II (1909)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora