Capítulo II - Vendendo às Pressas e Arrependendo-se Instantaneamente

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Na manhã seguinte, Anne foi até Carmody numa expedição para fazer compras, e levou Diana Barry consigo. Diana era, sem dúvidas, um dedicado membro da Sociedade de Melhorias, e as duas moças não tiveram outro assunto durante todo o caminho de ida e volta até Carmody.

— A primeira coisa que devemos fazer quando dermos início às atividades da Sociedade é pintar aquele salão – disse Diana, enquanto passavam pelo Salão de Avonlea, um antigo prédio muito desgastado situado num vale arborizado, encoberto por abetos vermelhos por todos os lados. — É um local de aparência deplorável, e devemos cuidar disso antes mesmo de tentar convencer Mr. Levi Boulter a derrubar sua casa. Papai diz que nós nunca conseguiremos fazer isso. Levi Boulter é muito avarento para desperdiçar o tempo que a demolição levaria.

— Talvez ele permita que os rapazes derrubem a casa se eles prometerem tirar as tábuas e rachá-las, para que possam ser usadas como lenha – sugeriu Anne, esperançosa. — À princípio, devemos dar nosso melhor e estar contentes em fazer as coisas com calma. Não podemos transformar tudo de uma vez. Primeiro, nós devemos educar os sentimentos do público, é claro.

Diana não sabia exatamente o que significava "educar os sentimentos do público"; mas isso soava muito bem, e ela sentiu-se orgulhosa por participar de uma sociedade que tinha em vista tal objetivo.

— Ontem à noite eu pensei em algo que poderíamos fazer, Anne. Sabe aquele pedacinho de terra em formato de triângulo onde as estradas de Carmody, Newbridge e White Sands se encontram? Está inteiramente tomado por um mato de jovens abetos; mas não seria bom limparmos tudo, e deixarmos somente as duas ou três bétulas que ali estão?

— Esplêndido! – concordou Anne, entusiasmada. — E colocaremos um assento rústico debaixo das bétulas. E, quando vier a primavera, faremos os sulcos no canteiro e plantaremos gerânios.

— Sim, mas teremos de pensar numa maneira de convencer a velha Mrs. Sloane a manter sua vaca fora da estrada, ou o animal comerá todos os nossos gerânios – gracejou Diana. — Começo a entender o que você quis dizer com "educar os sentimentos do público", Anne. Ali está a velha casa dos Boulters. Já viu uma espelunca como essa antes? E, ainda por cima, num lugar elevado e tão perto da estrada! Uma casa velha e sem janelas sempre me faz pensar em algo morto, que teve os olhos arrancados.

— Penso que uma velha casa deserta é uma visão tão triste – disse a sonhadora Anne. — Sempre me dá a impressão de estar pensando sobre seu passado e lamentando pelos saudosos momentos de alegria. Marilla disse que uma grande família cresceu naquela casa, muito tempo atrás, e que era realmente um lugar muito bonito, com um jardim adorável e rosas crescendo por todo lado. A casa era repleta de crianças, risadas e canções; e agora está vazia, e nada passa por ali, a não ser o vento. Como deve sentir-se solitária e pesarosa! Talvez todos eles voltem em noites enluaradas... os fantasmas das criancinhas de outrora, as rosas e as canções... e, por um momentinho, a velha casa pode sonhar que é jovem e alegre outra vez.

Diana balançou a cabeça negativamente.

— Nunca imagino coisas assim sobre os lugares, Anne. Você não se lembra de como a minha mãe e Marilla ficaram irritadas quando criamos a história sobre os fantasmas na Floresta Assombrada? Desde aquele dia eu não consigo ficar à vontade para passar nem sequer por um arbusto depois que escurece! E, se eu começar a imaginar tais coisas sobre a velha casa dos Boulters, ficarei assustada quando passar por ali também. Além disso, aquelas crianças não estão mortas. Estão todos crescidos, vivendo muito bem... e um deles é açougueiro. E de qualquer maneira, flores e canções não podem ter fantasmas.

Anne reprimiu um pequeno suspiro. Ela sentia uma profunda afeição por Diana, e as duas sempre tinham sido boas companheiras. Mas há muito tempo entendera que, quando vagava pelo reino da fantasia, devia ir sozinha. O caminho até lá era uma senda encantada, onde nem mesmo seus entes mais queridos poderiam segui-la.

Anne de Avonlea | Série Anne de Green Gables II (1909)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora