Capítulo 3

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Jonas

São Paulo é uma cidade-monstro. Quando decidi (ou fui levado pelas consequências, já não sei) vir morar aqui, sabia que as coisas não seriam fáceis. Nasci e cresci em Curitiba. A única coisa que sei fazer é escrever e revisar textos, portanto eu necessitava mudar para uma cidade ainda maior se quisesse sobreviver.

Bem, para começar eu me chamo Jonas e só possuo um sobrenome: Papandrea. Jonas Papandrea – nada que me orgulha. Pareceria óbvio que sou filho de mãe solteira, mas não – o meu pai fez o meu registro e, cretino que era, colocou só o nome dele. Não se sabe que diabos de cartório hoje em dia faz isso, ou melhor, fazia há 30 anos, fato é que, mesmo depois que um trem passou por cima dele (eu tinha três anos de idade na época), minha mãe nunca fez questão de incluir o sobrenome dela no meu.

Anteontem eu estava em Curitiba, acertando as coisas para a mudança. A mãe morreu faz pouco tempo. Câncer no fígado – descobriu e morreu (coisa rápida). Nunca tivemos casa própria. Nem carro. Nem soma de dinheiro razoável no banco. Fiz Letras pela Universidade Federal. Trabalhei como professor de escola particular durante algum tempo – salário de miséria que completava com a miséria do salário da minha mãe e, assim, sobrevivíamos.

Nessa história eu não perdi somente a minha mãe – perdi a namorada.

Minha namorada era linda, se chamava Jordana. Até o nome dela era lindo. Eu me apaixonei por ela assim que a vi no primeiro dia de aula – tempos de ensino médio. O namoro sobreviveu ao ensino médio. Na faculdade, cada um escolheu um lado, mas o namoro continuou. Enquanto ela, indecisa, trocava de cursos, eu estudava para tentar uma vaga de mestrado.

O namoro continuou apesar da falta de tempo, pois eu tinha de trabalhar para cuidar de uma mãe doente.

Vivíamos como casados, no apartamento que minha mãe alugava – a moradia, pelo menos, não era uma despesa.

Dividimos muita coisa juntos – boas e ruins. Como recordação, ela levou consigo os meus segredos inofensivos, enquanto eu guardo os dela não tão inofensivos assim. Mas não quero pensar nisso agora.

Acertei com um amigo para dividir o aluguel de um quarto-e-sala na capital paulista. Vendi minha motocicleta, minha bicicleta e meus patins; vendi as coisas de cozinha da minha mãe: panelas, xícaras, pratos, talheres e guardanapos; os poucos móveis que tínhamos, tudo surrado; alguns livros, a máquina de costura dela. Minha mãe gostava de joias e não sei como ela adquiriu, ao logo da vida, um colar, quatro pingentes, sete anéis e doze pares de brincos, tudo de ouro, uns com pedrinhas de brilhantes – vendi tudo, exceto um pingente que coloquei no meu cordão.

Deixei Curitiba com uma mochila nas costas e duas malas grandes de viagem.

O coração apertado – mais pelas incertezas e frustrações do que tristeza em deixar minha terra natal.

– Nove minutos atrasado – Antônio me recepcionou com um abraço apertado.

– Meu Deus, seja razoável – eu disse. Coloquei as duas malas para dentro.

– Acho que o caixão está bem arrumado para recebê-lo – disse Antônio. – Seu Chicão pintou a meia parede da cozinha que estava descascando com a infiltração, trocou a torneira da pia que pingava sem parar, passou uma graxa na janela que estava emperrada fazia meses.

– É. Parece que a minha chegada opera milagres em qualquer lugar – falei, com sarcasmo.

Antônio trabalha com revisão de textos e escreve artigos. Estudou Letras comigo, mas mora em São Paulo há alguns anos.

Herdeiro da MáfiaWhere stories live. Discover now