Parte única

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[*]Texto originalmente escrito como roteiro para um curta, que nunca cheguei a gravar. Adaptado como crônica, baseado nas manifestações que antecederam a copa no Brasil.

Em meio a uma espessa fumaça e sons de explosões, uma figura vestindo uma máscara de gás corria desesperada em busca de abrigo. Sem conseguir enxergar direito o que tinha pela frente, o sujeito entrou de forma abrupta na primeira porta que encontrou aberta. A porta principal de um pequeno edifício comercial.

Apesar de parecer uma causalidade, o indivíduo não estava em um lugar estranho a si. Na verdade era muito familiar, ele já esteve ali antes. Se sentia seguro, longe das bombas, de todo aquele gás e da confusão que estava fora do controle.

Ele encostou na parede, e se deu ao luxo de respirar fundo por alguns segundos. Em paz, como se não houvesse o caos que há lá fora, sozinho…

Não tão sozinho…

De súbito o sujeito percebeu que não está exatamente só. Ali também, protegido da fumaça, um PM do batalhão especial estava perdido em seus próprios pensamentos, longe da mesma confusão da qual ele estava tentando escapar. A visita do sujeito foi inesperada o suficiente para ele ficar fora de si por alguns segundos e esquecer diante de quem ele estava.

Era um policial, diante de um Black Bloc.

- Mas que droga… - o despreparado e assustado policial tentou sacar a sua arma.

Apesar de surpreender o manifestante, que não tinha como reagir naquele instante, a imperícia do policial foi patética, ao ponto dele acidentalmente liberar o pente de balas de sua pistola.

Vendo que o policial estava despreparado e desarmado, o manifestante se agarrou a mão do policial, tentando lhe tirar a arma a qualquer. Se aproveitando do fator surpresa, e acrescentando um golpe com seu próprio ombro. O policial foi ao chão, desarmado.

- Que ótimo – lamentou o policial, com desprezo a si mesmo a situação em que se colocou. 

Rapidamente o “Black Bloc” repôs o pente de balas na sua “nova” arma.

O policial ainda teve que aguentar uma abafada risada do sujeito, que não acreditava no “presente” que tinha acabado de ganhar. Este sujeito estava tão seguro de si, que já não achava mais necessário ocultar sua identidade. Ele queria provar para o seu opressor legitimado que não o temia mais.

Sem perder o policial da mira da arma, o sujeito retirou sua máscara, mantendo uma distância segura para evitar qualquer reação do alegado defensor da lei. Em alguns instantes, a máscara foi ao chão revelando um belo rosto feminino, com um olhar profundo e um sorriso cativante.

Era uma garota. Daquelas que derretem corações, que saem de um filme romântico bobo e meloso.

- Se você atirar em um policial, nunca mais terá liberdade em sua vida – rosnou o tira para ela.

- Você fala como se fosse mudar alguma coisa – debochou a garota.

Com um gesto ela apontou a escadaria e obrigou o policial a subir, em alguns momentos com certa truculência.

O policial caminhou pelo corredor, guiado a base de empurrões. Quando chegou a uma determinada porta, a garota passou uma chave ao policial. Ele entendeu o que era para fazer, mas abriu a porta com grande desconfiança.

Atrás da porta, foi revelado uma sala simples, bagunçada com algumas cadeiras e bancos. O lugar provavelmente era abandonado e fora usado para algum tipo de reunião ou encontro de jovens.

- Porque você não se senta – disse a garota em tom sarcástico.

- Tenho escolha?

- Tem, mas não vai gostar da outra opção – ela exibiu um sorriso, de canto de lábio.

Cordão Negro (Conto)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora