Prefácio

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Este livro nos fala de uma desgraça que nossa sociedade recalca em sua consciência. Pelo que revela, ele me parece mais importante que numerosas análises sociológicas ou trabalhos de especialistas.

Este documento sui generis mostrará, enfim, ao grande público — pelo menos é isso que esperamos — que a toxicomania e o alcoolismo juvenil, em constante expansão, e a atração dos jovens por seitas não são fenômenos importados, mas gerados por nossa própria sociedade. É em nossas famílias, em nossas escolas, nas discotecas — onde qualquer um pode entrar — que nasce esse flagelo, geralmente considerado uma doença exótica. O documento que a jovem Christiane nos fornece (com a ajuda de Kai Hermann e Horst Rieck) nos ensina ainda outra coisa: o caminho que leva à droga não é traçado pelas excentricidades de uma categoria particular de crianças e adolescentes essencialmente marginais, mas por todo um conjunto de problemas estreitamente relacionados — condições de habitação subumanas, impossibilidade de expandir-se por meio de jogos, crises entre os pais, um sentimento generalizado de alienação e de isolamento no seio da família, na escola, etc. Ao término da leitura deste livro muitos leitores se perguntarão, e com razão, quem é o mais "humano": a infeliz Christiane, drogada e delinqüente, ou as pessoas do seu meio que representam a sociedade dita "normal" — as "pessoas respeitáveis".

Desde que a revolta dos jovens contra a autoridade perdeu sua intensidade, há uma tendência em acreditar que tudo entrou novamente em seu lugar e que, com exceção dos terroristas e seus seguidores, a juventude de hoje vive uma integração social sem conflitos. Essa idéia é fruto de um trabalho obstinado de recalcamento. Como nos anos 70 assistimos à quase extinção da contestação ativista e de suas penosas provocações quase cotidianas, tendemos a minimizar, a negligenciar — porque são menos ruidosas e menos espetaculares — as novas formas de contestação. Estas são as novas formas de protesto de uma parcela considerável da nova geração.

Felizes por ver cessar o conflito permanente nas famílias, nas escolas, nas universidades e ver as ruas desimpedidas das eternas manifestações, preferimos não tomar conhecimento de que, sob a fachada de adaptação, aparecem sintomas inquietantes em um número crescente de jovens: uma estranha apatia, uma tendência a se fechar em si mesmos. A grande massa dos adultos, pessoas bem integradas na sociedade, adotou uma atitude resignada, essencialmente defensiva: "Fiquem aí com as suas ”contraculturas“, suas maneiras excêntricas de viver, desde que não perturbem a 'nossa vidinha'. Vocês acabarão compreendendo que, para sobreviver na nossa sociedade hiperorganizada e impiedosa, somos forçados a com ela cerrar fileiras!" A indiferença, as manifestações de rejeição de tantas crianças e adolescentes, nós as interpretamos como "deixe-me em paz", "deixe-me com meus companheiros". Na verdade, essa interpretação é apenas uma projeção dos desejos dos adultos, uma cegueira voluntária. Na realidade, Christiane e centenas de milhares de crianças e adolescentes afastaram-se do nosso mundo somente por decepção, porque os adultos não souberam dar-lhes a imagem de uma comunidade humana onde eles tivessem seu lugar, à qual gostariam de se integrar, onde encontrassem compreensão, segurança e calor. Christiane, como todos os seus amigos da turma dos drogados e de prostitutas, tem pais que passam por grandes dificuldades e que, inconscientemente, transmitiram aos filhos seu desespero, sua solidão — física e moral —, seu amargor e seu ressentimento.

Na maioria das vezes são crianças como

Christiane, particularmente sensíveis, vulneráveis e cheias de dignidade, que, em conseqüência do fracasso da geração dos seus pais, refugiam-se na marginalidade. Isso para escapar às pressões da adaptação, da "normalidade", para se proteger da despersonalização em que vivem seus pais. É triste ver esses seres pequenos e frágeis se reunirem em bandos para tentar criar, clandestinamente, um mundo irreal que responda às suas necessidades mais profundas. E essas tentativas estão, irremediavelmente, destinadas ao fracasso. O que busca Christiane no interior do bando? Um pouco de verdadeira solidariedade, de paz, longe da agitação do seu meio. Ela procura ser aceita, sem se submeter a opressões de todos os gêneros. "Eu não acho que entre jovens que não se drogam possa existir uma amizade como essa que nos une, a nós do bando”.

Eu, Christiane F. 13 Anos, Drogada e ProstituídaUnde poveștirile trăiesc. Descoperă acum