1. unico; disorder

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" Sabe, não sei bem por onde começar...

Oi! A pessoa para quem eu escrevo essa carta já me conhece e talvez não seja uma ideia muito inteligente me identificar caso no fim não seja ela quem encontre. Mas de todo jeito, este sou eu, Kim Jongin. Um garoto humilde da parte mais pobre de Incheon. Não tenho uma vida que valha ser contada em um filme, embora goste bastante deles. Moro com minha mãe e minha irmãzinha, não tenho um cachorro, - por mais que tenha passado muito tempo implorando por um - li pela primeira vez um livro do Stephen King aos seis anos de idade, Life On Mars é minha canção preferida, tteokbokki é a comida de rua que eu mais gosto e de acordo com minha mãe, sou um encrenqueiro nato.

Eu não sei de muita coisa, nem mesmo consigo dizer se gosto dessa definição. Mas se soubesse, poderia estar aqui falando - escrevendo - com propriedade que acho esta vai ser só mais uma das quais vou me meter. Mas aí provavelmente estaria mentindo, e não que eu não esteja acostumado à fazê-lo, - muito pelo contrário - mas hoje de manhã quando acordei, enquanto fazia meu cérebro entrar em funcionamento ao tomar uma tijela de cereais com níveis de açúcar elevados, decidi que queria tentar ser honesto, pelo menos uma vez.

Bom, estou nervoso. Talvez com medo, não sei. Os dois? Não tenho certeza em qual das duas coisas explica melhor o motivo de minhas mãos estarem tremendo tanto.

Decidi agora que vou fingir que você é meu terapeuta, então, posso começar com uma dúvida? Bem... Supondo que às vezes, quando estou sozinho, me venha aquela cena.

Eu vejo duas orbes grandes e redondas se movimentando, analisando tudo ao redor, mãos pequenas tateando de leve a poeira, intimidantemente perto das minhas enquanto analisamos um catálogo qualquer dessas bancas de revista. Você sorri, me fala alguma coisa. Algo em mim acha aquilo especial e incrível de alguma maneira. Não ouço nada além das nossas risadas conjuntas no momento seguinte. E percebo facilmente gostar mais do som que elas produzem do que qualquer outra música que posso ter ouvido no rádio semana passada.

O que é isso e o que eu deveria fazer? Essa é minha pergunta.

Resolvi confrontar tudo isso hoje, enquanto tomava café e minha irmãzinha fazia sons fofos com a boca e assistiamos ao noticiário. Mas devemos mesmo confrontar nossas dúvidas? Todas elas?

Voltando a falar da minha rebeldia. Talvez parte dela venha no fato de que sempre fui bom em fugas - mesmo quando era pego nelas - . A verdade é que pular o muro grafitado da escola com a habilidade que eu tinha era algo tão particularmente meu que poderiam até me considerar um profissional nisso. Quem sabe não só nesse tipo de fuga, eu sempre ia mais além quando se tratava de sair correndo dos meus problemas. E eles correm rápido, mas eu nunca me importei, nem mesmo para as consequências que isso traria em algum momento.

E por que isso viria ao caso? Bem, isso tudo mudou quando eu conheci você, Do Kyungsoo.

Eu te vi um dia comum. Não que todo comum seja excepcionalmente... individual, mas esse era particularmente... Tipico, entende?

Habitual de arder os olhos. Um período do dia tão chato quanto quanto a maioria. - tirando as raras excessões. Você era uma delas. -

Não estava esperando muito de mais uma tarde escaldante de verão. O sol quente nos ombros me fazendo sentir um calor quase insuportável por baixo dos suspensórios do uniforme. Mas enquanto meus olhos vagavam pela paisagem, eu encontrei você. Poucos metros à frente de mim, no lugar mais solitário e sombreado da escola, onde, até aquele momento só eu conhecia e costumava frequentar - por puro individualismo, claro -. E você não era tão diferente de tudo aquilo, mas então, por que um baixinho de óculos grossos e cabelos escuros, - tão curtos e proximos a cabeça que de um jeito engraçado, lembravam grama aparada - despetara tão rápido o meu interesse? Lembro de ter sorrido pra você, mas não é preciso de muito para descobrir que você estava tão concentrado em sua leitura que nem foi capaz de notar minha presença. Tão pouco meu sorriso.

a letter to eliseWhere stories live. Discover now