Capitulo 5- No ponto

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Eu passo por você todo dia e você nem repara, sempre com os olhos vidrados na tela do smartphone. Acordo mais cedo, corro da academia pra casa, escovo os dentes e confesso que só comecei a passar fio dental de manhã por sua causa. E, ainda assim, passo por você, e nada.
O Le Monde Diplomatique já estampou tanta manchete que eu nem lembro mais, mas me lembro do dia em que dormi olhando pra você e perdi o ponto. Sempre me sento de frente ou no banco ao lado – por alguma praga ou azar do diabo, seu lado nunca está vago. Já morri de ciúme de uma loira bonitinha que lia um livro de autoajuda, de uma morena mulherão que não parava de gritar ao telefone, de uma ruiva com cara de princesa que tinha errado o tamanho da calça da academia. Mas você também não reparou nisso. Nem nelas, nem em mim.
Sento sempre na quarta ou na quinta fileira, depende do balanço. Desde que descobri que o destino tinha colocado a gente no mesmo barco, no mesmo dia, no mesmo horário, interpretei como uma profecia ou sinal divino, ou talvez uma previsão solar, como queira. Mesmo assim, você nunca me olha.
Talvez o problema seja com você.
Já decidi a cor do quarto dos meninos e o conjunto que quero comprar pra terceira menina. Já reservei a mesa do jantar em que você me pede em casamento e diz que não vive mais sem mim; falta pouco pra isso, eu sei – pra gente começar, você só precisa levantar a cabeça. Põe os olhos em mim e se apaixona, me ama como eu te amo na última página do caderno, ainda que eu não saiba seu nome. Não sei muita coisa, mas sei que você costuma comer pretzel no café da manhã porque fica um pouco de farelo e canela na sua barba. Eu gosto de café quente com creme e canela; se eu te chamar do nada, assim, será que você toparia?
Todos os dias chego no mesmo horário ao ponto de ônibus, desde que te vi pela primeira vez. Você não lembra, mas eu estava com um vestido vermelho e você sorria. Eu tava com pressa e você assobiava uma canção do Roberto: baby, I love you. Roteirizei a gente ali direitinho, do ponto de ônibus até sua casa, do baile de formatura do meu curso de Direito até o altar, do seu carro até a minha cama de casal na Zona Sul. Calma, você não tem carro; se tivesse, não pegaria ônibus. Droga, errei na construção da história.
Ah, eu acordo todo dia cansada e desço do ônibus frustrada. Porque cada dia que passa é um dia que você não me enxerga, não me atravessa nem fala oi pra mim. Eu sempre faço isso; é como um ciclo, o tempo todo com esses amores de ponto de ônibus que fazem a gente pensar que nunca viu ninguém tão perfeito, a ponto de caber em nossas histórias de contos de fadas. Tá, tudo bem, eu nem acredito em fadas, mas acredito que eu e você poderíamos dar certo.
Não sei o que falta, juro que não sei. Pra mim, parece que a gente já se conhece há tempos; te reconheceria em qualquer lugar, até pras minhas amigas já falei de você. Elas perguntam o nome, o nome... qual é o nome? Já pensei em tudo, mas te chamo de Menino do Casaco Lavanda. Elas riem, e

eu não entendo. Seu nome. Se pelo menos você me dissesse seu nome, talvez a gente pudesse ser um pouquinho mais feliz. Mas nada, nem uma palavra. Daqui a pouco eu te perco na multidão e você muda seus horários. Daqui a pouco eu te dou adeus sem nem ao menos ter chegado. Por favor, meu bem, não me faça desistir de ti.

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