Prólogo

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" Um dia, você será a Rainha"

Ainda me lembro daquele dia, mamãe me fez acordar cedo. Havia neblina por todos os lados e o frio era cortante, mesmo assim ela parecia não sentir, nunca parecia sentir nada e ao mesmo tempo parecia sentir demais, mal olhava para a carroça que seguia atrás de nós, mantinha uma posição ereta, a cabeça erguida e o andar firme até que finalmente chegamos.

Mamãe escolheu o lugar predileto dele, a beirada da montanha, ela mesma preparou tudo, o local onde colocariam o corpo, o bálsamo inflamável, até mesmo meu arco. Enquanto retiravam o corpo da carroça e o ajeitavam, fechou os olhos, o vento que batia forte fazia com que seus cabelos escuros se agitassem, mas ela não se importava.

Quando o pastor começou a falar, continuou de olhos fechados e com a posição ereta e firme, não lembro muito bem o que disse, algo relacionado à coragem, esperança e um dia de reencontro, todos olhavam para nós enquanto ele falava, se perguntavam o que faríamos sem meu pai, o que aconteceria daqui para frente, qual seria nosso destino, afinal, éramos mulheres e estávamos sozinhas. Imitei a posição de mamãe, jamais veriam a fraqueza em nós, apenas força, determinação e claro, persistência. Assim que cerimônia acabou minha mãe anunciou ao nosso general:

- Reúna todas as tropas restantes e encontre com o Senhor das Videiras na Cachoeira Sul, ele se juntará a nós com seu exército, quero que ataquem como nunca, mostrem a ela tudo do que ainda somos capazes, essa guerra ainda não acabou cavalheiros, apenas começou sobre novas bases.

Antes que qualquer um pudesse falar, ou chama-la de louca, virou as costas para todos e começou a subida da colina, não precisei que dissesse uma palavra, simplesmente a segui.

-Quantos metros seu tiro alcança Lua?

-Posso atirar do topo, mamãe.

Ela parou por um instante, seus olhos cinzas como o céu em dias de tempestade, olhando profundamente para os meus, escuros como chocolate e sorriu, um terno sorriso que nunca me esqueci, um que dizia: Eu vejo você Lua, vejo o quão longe você pode chegar, suas conquistas jamais me surpreenderão.

Subimos o restante da colina em silêncio, quando chegamos ao topo, retirou sua capa de pele, nem mesmo o frio poderia atingi-la tão forte como a morte dele, se sentou sobre uma pedra e olhando diretamente para o corpo de meu pai, chorou. Lágrimas silenciosas e profundas. Eu não sei e nunca saberei o que eles viveram, mas sei o quanto se amavam, ele por morrer e ela por viver, foi a primeira e última vez que vi minha mãe chorar, foi a única e última vez que vi o amor.

Fiz uma pequena fogueira no chão, preparei o arco, incendiei a ponta da flecha, me posicionei no melhor ângulo e atirei lá embaixo, na beirada da montanha, um corpo separado da cabeça começou a queimar.

Minha mãe seca suas lágrimas, se levanta da pedra e anda em minha direção, fica ao meu lado e segura minha mão o mais firme possível, permanecemos assim até que o sol surgisse alto no céu e o corpo se tornasse um punhado de cinzas levadas pelo vento forte, ela apertava firme seu colar de pérolas, achei que não fosse suportar, mas então, abaixa seus olhos e os mira, mais fortemente do que momentos antes, nos meus e diz:

-Lua Negra, última filha da Casa Sombria, filha de uma camponesa, criada para lutar e enxergar além do que pode ser visto, grave bem em sua memória este momento. Um dia, você será a Rainha.

Lâmina SombriaWhere stories live. Discover now