CAPÍTULO UM

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O relógio de pulso sobre a mesa enferrujada do galpão abandonado na esquina da Orchard Street, indicava que era quase meio-dia. Akemi, mesmo sem checar sabia disso, ela já sentia seu estômago reclamar de fome. Para uma fedelha de rua ela vivia bem. Não esbanjava um banquete, claro, mas nunca chegou a passar fome extrema, mesmo quando seus furtos diários não chegavam a render o esperado.

Pela manhã havia comprado alguns bolinhos para o seu desjejum com os trocados que sobraram do dia anterior. À essa hora do dia a movimentação nas ruas estava aumentando, esse era o momento certo para garantir seu almoço. Quem sabe o jantar.

Ela pegou sua jaqueta jeans azul puída de cima do estofado em frangalhos e o chacoalhou, tirando o excesso de poeira que havia acumulado no tecido. Vestiu a jaqueta, jogando seus longos cabelos para trás. Caminhou até a janela comprida de vidraças quebradas localizada na outra extremidade do galpão sujo. Após empurrar o ferro enferrujado, saltou para a grama alta do lote.

Havia um ano e meio que Akemi estava acomodada naquele galpão, ali havia sido uma fábrica de móveis planejados anos antes. Ainda havia muita madeira jogada por todos os cantos dentro do galpão, assim como na extensão do terreno. Já fazia anos que uma placa branca com letras pretas ㅡ ilegíveis por conta a corrosão da madeira ㅡ pendia na entrada, sinalizando sua venda. Conforme mais tempo ia se passando, o lugar ficava cada vez menos atraente aos olhos de novos compradores, o que para Akemi era algo bom, isso permitia que ela se apossasse do lugar por algum tempo.

Ela tirou um par de óculos escuros do bolso da jaqueta e os colocou no rosto antes de passar pelo buraco na grade que cercava o lugar.

Akemi não havia sobrevivido por quatro anos nas ruas de Nova Iorque sendo descuidada, pelo contrário, cada ação, cada furto que ela fazia era cautelosamente planejado. Os óculos eram uma medida de segurança, tanto para esconder seus olhos peculiares de pessoas curiosas, quanto para poder analisar tudo ao seu redor sem ter seu olhar capturado por outro.

Caminhou até a Hester Street, onde geralmente não furtava, mas estava exausta demais para se importar com esse detalhe. Era na Hester St. que gastava a maior parte do dinheiro furtado, ela gostava dali por ser uma área bastante frequentada por asiáticos já que na localização se concentravam, em sua maioria, lojas chinesas. Deduzindo o quão difícil era a vida de uma jovem asiática estrangeira, os donos das lojas não se importavam em vender coisas para a garota pedinte desde que não causasse problema para eles.

Assim que chegou na avenida, percebeu com leve deleite, que estava certa. Exatamente como ela imaginava, o movimento estava alto. Como de costume naquele horário em diversas regiões, as calçadas sob as várias fachadas vermelhas de lojas chinesas estavam abarrotadas de pessoas andando de um lado para o outro. Pessoas sempre com pressa para chegar ao seu destino, tão submersas em seus problemas e sua autopiedade que nem sequer percebiam a garota de feições asiáticas e madeixas tingidas de um preto tão escuro quanto carvão ㅡ suja da cabeça aos pés ㅡ, andando por entre a multidão, que furtivamente pegava suas carteiras com as mãos pequenas e ágeis.

Entre corpos de todos os tamanhos foi fácil para Akemi apanhar a carteira de um grande homem calvo que não se incomodou em lhe pedir desculpa quando fez seu braço cheio de músculos colidir com o ombro da jovem, o que para sua futura infelicidade, facilitou que ela o furtasse.

Quatro anos antes a culpa havia atormentado Akemi dia e noite, fazendo-a se sentir o ser mais imundo que existia no solo terrestre. Mas suas opções de sobrevivência eram limitadas, e voltar para o orfanato moribundo no interior de Nova York estava fora de cogitação. Felizmente aquele tipo de pessoa tornava mais fácil reprimir a culpa que ela sentia até que se tornasse insignificante.

IY- Ao Cair Da NoiteOnde as histórias ganham vida. Descobre agora