1. A Garota Rebelde

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Alice Stevenson

    Ando pelas ruas apressada, sentindo a desagradável sensação da chuva molhando as minhas roupas. Tento proteger a minha câmera fotográfica e coloco o capuz do casaco em minha cabeça, para proteger meu cabelo com as mechas roxas.

     Tudo isso é extremamente revoltante, tudo aqui está errado. Todo o sistema. Sou absurdamente contra a política desse país. Eu nascera em uma cidade chamada Glasgow, que fica mais ao sul da Escócia, mas nunca permaneci no mesmo local por mais de dois anos, por uma questão de sobrevivência. Nos últimos cinco anos tenho vivido nas Highlands, na cidade de Inverness. Os meus pais me criaram até os quatorze anos de idade mudando de cidade feito loucos, quando os dois morreram. Assassinados.

     Por quem?

      Pela dinastia miserável dos Carter-Grant. Por essa família detestável que, por algum motivo, estava no poder. Os Carter-Grant reinavam sobre o país, e ditavam todas as ordens a serem tomadas. E eu os odiava com todas as minhas forças, porque foram eles que tiraram a minha família de mim.

     Paro na calçada, e espero que o semáforo feche. Assim que ele o faz, alcanço o outro lado da rua, cinzenta e avisto uma pequena lanchonete que ficava em frente á uma avenida, ainda visível em meio á chuva.

      Seu letreiro estava um pouco apagado, e a iluminação sugeria que não havia muitas pessoas lá dentro: era o Scottish Thyme, o lugar mais parecido com casa que já tive nos últimos seis meses.

      Ando em direção á ele, atravesso a larga avenida, e abro a porta. Ouço o sino de chegada ecoar pelo ambiente no mesmo instante. Não havia ninguém ali, apenas a Sra. Pretzkels, que limpava o balcão.

-Olá, como vai?-Pergunto, tirando o capuz da nuca e mostrando os meus longos cabelos, que eram claramente reconhecíveis pelas várias mechas roxas que eu colocara nele.

-Ei, Alice!-Dizia a dona do local, já apontando para eu me sentar na frente dela.

    Eu me jogo na cadeira em frente ao balcão, e ela começa:

-Estive pensando em você agora mesmo. Tem alguma novidade?- Pergunta, dobrando o pano que segurava nas mãos.

-Infelizmente, não. Parece que ninguém pode me contratar. Fotografia é um ramo difícil aqui. -Comento, enquanto tiro o casaco, e deixo a minha bolsa com a câmera no fundo do balcão.

     A sra. Pretzkels anda até o fundo de sua cozinha, demora alguns segundos, e depois volta com um prato coberto por plástico.
Ela o coloca em minha frente, e pergunto:

-O quê é isso?

-Uma torta de chocolate. A sobremesa de hoje, que fiz especialmente para você!-Garante ela, com um brilho nos olhos.

    Durante todo o tempo em que eu alugara um quarto no lugar em cima do Scottish Thyme, a dona Amelia Pretzkels me considerava como se eu fosse uma filha que ela nunca tivera.

    Ela tinha três filhos: Brendan o mais velho, de 27 anos, que se mudara para Londres, William, de 20, que morava aqui, e fazia estágio de meio período num jornal do centro, e Jordan de 19, que acabara de sair da escola, e tirara um "ano sabático" antes de ingressar numa universidade, e também morava com ela.

    A mãe desses meninos é uma das pessoas mais batalhadoras que já conheci. O pai deles os largou, e sumiu pelo mundo afora, deixando com ela a responsabilidade de cuidar sozinha dos três filhos.
E essa família foi quem me acolheu quando eu mais precisei. Tanto que eu tinha uma imensa gratidão e consideração por eles.

-Eu estou me sentindo muito privilegiada!-Brinco, me ajeitando na cadeira, enquanto ela retira o plástico, e me oferece um garfo.

-Mas por quê a senhora fez a minha sobremesa favorita hoje? Acordou inspirada, foi?- Pergunto, rindo para a senhora de meia-idade.

-Não acredito que você se esqueceu!-Ela diz, cruzando os seus braços.

-Do quê? -Pergunto sobressaltada, enquanto dou a primeira garfada na torta, e a experimento. Perfeita, como sempre, no ponto. Eu queria mr casar com essa torta.

-Minha querida, como você conseguiu se esquecer do dia do seu aniversário?-Ela pergunta, sorrindo.

-Meu aniversário?-Pergunto, com uma cara de interrogação. De repente, a porta da frente se abre com um estrondo, e Jordan entra, segurando uma embalagem na mão, seguido por William.

-Alice! Feliz aniversário!-Diz ele, sorridente, ainda á distância.

-Trouxemos algo especial para você!-Complementa William, se aproximando do balcão.

    Abro um sorriso. Como eu havia me esquecido do meu próprio aniversário e todos eles terem lembrado? Eu me sentia muito especial, querida.

-O quê é isso?-Pergunto, assim que Jordan me entrega a embalagem. Parecia uma bebida. E era pesado.

-Ora bolas, isso é o seu presente!-Exclama o irmão mais novo.

    Retiro o papel, e vejo o que havia ganhado. Solto uma risada incrédula, e dona Amelia solta um berro:

-Vocês deram um uísque para ela?

     William apenas ri.

-Foi ideia do Jordan. Mas não faz mal, ela está fazendo 20, não é? Tecnicamente, não é proibido.

-Mas aposto que ela nunca bebeu isso! Esse é muito forte para ela! -Insiste ela.

-Tá brincando dona Amelia, vocês acertaram em cheio, esse é o meu favorito!-Exclamo.

    Jordan sai e volta no outro segundo, com copos na mão, e brindamos ao meu aniversário.
Essa de fato não era a minha primeira vez, eu tinha experiência com isso.

     Uma hora depois, já no limiar de nossa consciência, William dispara:

-Acho que vou dormir.

      Dona Amelia ri.

-Você é fraco com bebidas mesmo, viu? Já Alice...

-Mais uma!-Berra Jordan, que preenchera uma mesa cheia de pequenos copos com uísque, para eu tomar todos em menos de vinte segundos.

     Eu cumpro o desafio, ainda que minha garganta ardesse, e ele diz:

-Mais um recorde! 12 segundos! Você brilha garota!

     Acho graça, e rio. Mas o melhor de tudo era a dona Amelia sob efeito do álcool. Sentamos todos juntos numa mesa, e ela diz:

-Um brinde á Alice! -Fala, levantando o copo pequeno.

-Á Alice!-Berram Jordan e William, em uníssono, levantando seus copos, ao passo que eu levanto a garrafa inteira.

      A dona Amelia amava fazer discursos, e não perdia uma oportunidade.

-Nós temos o melhor povo, o melhor uísque, a melhor bandeira, Alice, e ...-Profere dona Amelia, vacilando no final.

-A pior rainha! -Finaliza William, bem-humorado.

-E viva Alice! Viva os escoceses! -Grita Jordan.

      E assim brindamos, não sem antes soltarmos o famoso urro escocês. E de repente o meu dia já não era tão ruim assim. Era preciso ter perspectiva.

     
                      ~FIM~

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