Capítulo 8

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Dizia-se que, no caudaloso rio Uruguai, não se precisava de nada para pescar, nenhum tipo de instrumento. Os peixes pulavam sozinhos da água para a sua canoa, se estivesse atravessando ele. Deus teria tornado a vida muito fácil naquela terra. O próprio padre Antônio se queixava disso, às vezes. Pois, para o gosto dele, os índios trabalhavam muito pouco.

Nas matas próximas a esse rio, vivia o avô de Eva, conhecido como Velho Moreyra. Sua casa era feita de pau-a-pique, com telhado de taquaras. Com muita relutância, ele abrigou Eva ali.

̶  Você não devia ter vindo, menina. Mas, agora já está aqui.  ̶  Moreyra abaixou a cabeça e catou alguns gravetos amontoados ao seu lado.

̶  Fico feliz com isso.   ̶  O velho quebrou um graveto e largou na fogueira que estava entre os dois. Eva, em silêncio, não desgrudava os olhos de seu avô. Para ela, era o mesmo homem dos seus sonhos, apenas os cabelos estavam mais grisalhos. Ele continuou.

̶  Agora que está aqui, vai aprender o que os juruás* não podem te ensinar. ̶   Usando uma vara, o velho guarani tentava catar uma brasa do fogo, uma bem pequena, a agarrou rapidamente com os dedos ossudos e a colocou no cachimbo que estava preparando. Deu algumas baforadas fortes e foi possível ver o brilho da brasa na boca do artefato. Eva continuou observando em silêncio, então, ela arriscou.

̶  É o que mais quero, meu avô.

̶  Primeira coisa que deve saber é que meu nome verdadeiro não é Moreyra. Esse é o nome que os juruás me deram. Eu tenho um nome guarani. Você disse que se chama Eva, não? Pois, você também terá um nome como o meu.

Os olhos da menina brilhavam. Ela sentia que estava conhecendo um mundo novo e isso era excitante. Seu avô continu.

̶  Aqueles que vieram antes de mim, escolheram me chamar de Nhee Porã. Palavra bonita. Quando chegar a hora, seu nome surgirá, é preciso esperar. Deve ser escolhido com cuidado, pois, para nós, guaranis, nosso nome é a palavra que expressa quem somos. Qual será a sua palavra? Precisamos descobrir.

O velho guarani dá mais uma tragada e, soltando a fumaça, aponta o cachimbo para Eva.

̶  Este é o petyngua. Ele é a nossa porta para o mundo dos espíritos. Eles nos mostrarão qual é a sua palavra.

Aos poucos, o recinto foi se enchendo com a fumaça do petyngua. Eva via seu avô com cada vez mais dificuldade, até que já não podia mais definir quem estava além da névoa. Também não era mais possível ver nem o teto, nem as paredes da residência. Então, uma luz chamou a atenção dela. Eram relâmpagos que riscavam por sobre suas cabeças.

De repente, a visão de Eva foi tapada pelos seus cabelos, parecia que tinham ganhado vida. Na verdade, era o vento que havia adentrado o ambiente e se somado aos relâmpagos. Ela lembrou dos sonhos que vinha tendo. Pôde sentir, inclusive, o ar salgado da praia.

Então, a jovem se pôs de pé. Queria saber onde estava. Começou a ouvir passos, não podiam ser do seu avô, soavam mais como o de uma multidão. Foi aí que, de dentro da névoa, ela viu sair uma senhora guarani. Vestida como o povo da Redução, ela carregava um cesto de taquara nas costas, atrás dela, duas crianças. A essas, se seguiam pessoas adultas, homens, mulheres, mais crianças, mais idosos. Todos passavam diante de Eva e adentram a névoa, uma vez mais. Sabe-se lá para onde iam. Não ligavam para a garota, ela era só uma espectadora, como nos sonhos que tivera.

A névoa, aos poucos, se dissipou. Eva viu-se sentada em volta da fogueira, de novo. Diante dela, o avô Nhee Porã esboçava um leve sorriso.

̶  Você tem o espírito inquieto como o vento, minha neta. Você será Yvytu Eté. O vento sagrado.


*Termo guarani para homem branco.


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