Só achei que iria dizer

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May — 01 DE DEZEMBRO

Há seis anos, eu buscava incansavelmente por um doador. Meu pai costumava brincar, dizendo que éramos "sangue azul", especiais como ele, minha mãe e minha irmã. Ele falava isso sabendo que nossas chances de encontrar um doador de coração eram mínimas. É claro que eles não poderiam ser os doadores. Afinal, meu sangue, conhecido pelos médicos como raro, era um "falso O", sem antígenos ABO e H, e dificilmente encontrado em alguém do mesmo país, ou até mesmo no mundo.

Minha vida se desdobrava entre remédios, aparelhos e conflitos entre meus pais. Desde os meus dezesseis anos, eu vivia no hospital. Antes disso, um marcapasso havia resolvido temporariamente meu problema, mas meu coração defeituoso não estava mais em boas condições.

Sonhava com uma vida-longa, repleta de namoro, casamento, um cachorro, pássaro ou gato, e filhos correndo pela casa. No entanto, Deus tinha outros planos para o meu destino.

No tempo em que estava no Hospital de Seattle, conheci diversos profissionais de saúde: enfermeiros, internos, residentes e chefes de cirurgia. Sem contar os pacientes, alguns partiam recuperados, outros não voltavam após a cirurgia. Perdi muitos amigos que, como eu, não conseguiram um doador ou não resistiram a alguma doença.

Minha vida fora do hospital não era animadora. O ensino médio acontecia principalmente em casa, pois eu não conseguia frequentar as aulas presenciais depois de um tempo. Acostumei-me a essa vida, limitando meu círculo social aos conhecidos do hospital. Foi quando uma enfermeira sugeriu que eu entrasse no Tinder para conversar com rapazes. Foi assim que conheci Juan, um cantor de pop rock.

Juan nunca mais havia saído da garagem com sua banda depois da morte do pai dele, mas ele jurava que um dia faria uma turnê só para vir na minha cidade e fazer um show no hospital, só para me ver pessoalmente. Conversávamos todos os dias, como se já nos conhecêssemos pessoalmente, e nunca nos separávamos. O que começou como uma simples conversa no Tinder tornou-se a luz brilhante nos dias escuros da minha vida. Juan trouxe música e esperança, algo que havia perdido com o tempo.

— May, você está me ouvindo? — Meu pai tentava chamar minha atenção, mas eu sempre procurava evitar suas palavras. — Eu sei que está nesse seu mundo da lua vive tanto nessa droga de celular, você nem deve ter me ouvido.

— Desculpe — Baixei o olhar, torcendo os lábios. Ultimamente, meu pai vinha ao hospital para comunicar que não conseguia mais arcar com meu tratamento.

O convênio estava complicando nossa vida, tornando o tratamento e as diárias no hospital insustentavelmente caro.

— Em todo caso, eu estou farto de tanto trabalhar e não ver a sua melhora, estou gastando demais com o seu tratamento. — Suas olheiras denunciavam o cansaço profundo.

Meus pais dedicavam mais de oito horas diárias, e minha mãe, até então fora do mercado de trabalho, começou a trabalhar para tentar ajudar.

— E o que posso fazer? — Respirei fundo, sentindo as lágrimas prestes a escapar.

— Levanta. — Ele gesticulou com as mãos, exigindo uma reação. — Faça alguma coisa que não seja viver presa no celular. — A ordem foi dada de forma fria.

Estava farta dessa frieza que me machucava profundamente, aumentando minha aflição.

— Você quer que eu faça o quê? — Ao piscar os olhos, uma lágrima quente escorreu pelo meu rosto. — Acha que não estou me esforçando? — Minha mandíbula doía, como sempre acontecia quando tentava segurar o máximo para não desabar diante dele.

— Não está se esforçando! — Ele gritava, apertando o boné com força nas mãos.

Eu sabia o quanto tudo estava difícil, como as coisas pioravam a cada dia, mas o que eu poderia fazer? Comecei a chorar de pânico e medo, perdida em um ciclo diário em que meu pai descontava em mim toda sua frustração, como se eu fosse culpada por ter nascido doente.

Um presente de natal para MayWhere stories live. Discover now