Serpentes em fuga

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A noite de chuva permanecia em sua perenidade, enquanto o escritório daquela residência no Norte de Londres mantinha-se aquecido, em especial graças a uma lareira, além de duas pessoas que se mantinham abraçadas, observando-se com visível paixão.

Snake estava deitado de costas, olhando o fogo que queimava na lareira, enquanto sentia dedos delgados traçando o formato da serpente que estava tatuada nele.

- Doeu fazê-la? - a voz baixa, rouca, de Tempest, o surpreendeu pela simplicidade da pergunta.

- Não... Na verdade, fiz em meio a uma bebedeira. Nem me recordo o motivo de ter eternizado essa serpente em mim, mas gosto dela.

- Combina com você. - Snake ouviu um riso doce, surpreendente vindo dela. Virou-se na direção de Tempest, que o olhava com os longos cabelos cacheados em frente ao seu corpo, quase uma fada ou um ser mitológico.

- O que viu em mim, Tempest? Diga-me, sinceramente.

A jovem se aproximou, tocando levemente nos longos cabelos negros do mercenário, dando um singelo beijo em seus lábios. Sorriu.

- Alguém que me entendia da mesma forma que um dia meu pai, meu padrinho, entenderam.

- Sempre acreditei que o barão-

- O barão não é meu pai. Robert Blair, na verdade, é meu tio. O meu pai se chama Arthur Danglier, e minha mãe é Elinor, baronesa Sedwick. - a reação de Snake foi de puro choque. Não podia acreditar que na verdade, ela era filha bastarda da esposa de Blair, e não o que todos pensavam.

- Sei que estás surpreso. Robert tinha a fama, foi um degenerado por anos. Assumiu minha paternidade porque ele levou a minha mãe à morte.

A jovem explicou que, no dia de seu nascimento, Robert imaginava que Elinor estava grávida de outro e tirou Tempest, ainda recém-nascida, dos braços do médico que realizou o parto, impedindo Elinor sequer de conhecer a própria filha.

- Ele queria saber se eu era parecida com minhas irmãs... Bebês são idênticos quando nascem, mas eu era diferente das meninas... Ele entendeu rapidamente que eu era filha de Arthur.

- Arthur... Irmão de teu pai?

- Sim. Curioso, não? Meu pai, um homem negro, irmão de um branco, loiro, dos olhos azuis... Papai me explicou a história: o meu avô, Virgil Blair, possuía entre suas heranças uma fazenda de cana de açúcar na Jamaica, para onde costumava ir na juventude, entre as férias no colégio interno. Lá, ele perseguiu uma escrava da fazenda até submetê-la à força. Ela engravidou, e quando o bebê nasceu, ela faleceu. O bebê ficaria aos cuidados de outros escravos até a senhora que cuidava da residência, uma governanta chamada Theodora Danglier, sentir pena da criança e ficar com ela.

"Foi essa mulher quem deu o nome do bebê de Arthur. Deu-lhe seu sobrenome e o criou como um filho, mesmo ela sendo branca, até o dia em que meu avô apareceu e descobriu a existência de um menino ligeiramente mais claro do que os outros escravos que circulavam pela fazenda e fez os cálculos. O filho era dele.

Virgil exigiu que Arthur fosse criado longe da fazenda, já que agora ele era casado e tinha um herdeiro 'oficial', que vinha a ser Robert, e mandou Arthur para um colégio interno, afastando meu pai de D. Theodora. Ele ficou nesse colégio em Kingston, e logo optou por servir ao exército, e com o apoio de um 'padrinho', passou a crescer dentro das forças armadas."

- Provavelmente o "padrinho" era seu pai... - considerou Snake.

- Sim. Descobri que Virgil apreciava mais o bastardo que se esforçava para crescer como militar do que o filho legítimo que se embebedava até cair. Mas não foi o suficiente para pedir perdão por ter destroçado a vida de sua mãe, ou ter-lhe dado seu sobrenome. Afinal de contas, meu pai era um Blair. Ele tinha direito a ser o barão.

A Tempestade e a SerpenteWhere stories live. Discover now