Capítulo 3 - Sempre foi o que sempre será

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É possível ver o calor que emana da forja. Arya Stark observa com atenção cada movimento do rapaz que coordena os procedimentos. Seus cabelos negros continuam aparados, retidos contra o couro cabeludo suado. Seus olhos azuis ainda têm a mesma força de vida, a mesma paixão. Tudo mudou, mas ele ainda é ele, e ela ainda é ela.
Os olhos dele finalmente encontram os dela. E ele sorri, um sorriso discreto que lhe molda os lábios no rosto sujo de fuligem.
— Eu te disse. — ele praticamente murmura. — Você sempre seria uma lady. E eu seria seu criado.
Arya o encara de cenho franzido, irritada.
— Eu te disse. — ela replica. — Eu nunca fui uma lady.
Ele sorri mais abertamente, mas dá as costas para despejar algo na fornalha.
— Não me parece mesmo. — ele arrisca.
Ela sorri um pouco enquanto ele não está olhando.
— Tenho um coisa que preciso que faça para mim. — ela diz, tirando um papel amassado do bolso e deslizando por cima da tábua de trabalho de Gendry.
Ele dá uma olhada rápida.
— Sim, milady. Com todo prazer.

***

— E essa seria a melhor opção... — Cersei murmura, tilintando os dedos na taça de vinho.
— Nestas circunstâncias, majestade, seria a única opção. — Qyburn observa. Seus dedos magrelos enlaçam a mão da rainha sobre a mesa.
Ela assente.
A minúscula tiara prateada sobre seus cabelos loiros tem uma pedra vermelha na boca de um leão. Ela tira a joia da cabeça, colocando-a sobre a mesa.
— Com os cofres como estão... de que maneira financiaríamos esse tipo de cerimônia? — Cersei pergunta.
— Um casamento para o povo. — Qyburn responde. Um pequeno sorriso se forma em seus lábios enrugados.

A fila de milhares de pessoas se estende por toda a viela e muito além dela. Homens, mulheres e crianças se amontoam, suados e extasiados, aproveitando a oportunidade de desfilarem todos como verdadeiros convidados da rainha.
Um casamento real. Em praça pública. Mais da metade dos pratos expostos à longa mesa retangular foram trazidos pela população. Tigelas adornadas de mingau e grãos cozidos, bandejas com pedaços de javali malcheirosos e molhos de frutas.
Os guardas da rainha estão estrategicamente posicionados entre a multidão. A cerimônia vai começar — e acabar — em poucos minutos.
Em pé, recostada contra a balaustrada da torre, Cersei acaricia a região rígida no final de seu abdômen. Está fazendo tudo de novo. Enquanto isso, o pai de seu filho — o verdadeiro pai de seu filho — protege os inimigos no norte. Idiota., ela pensa. Traidor e idiota.
— Majestade? — Qyburn está parado à porta. — Está na hora. — ele lhe oferece o braço, que ela aceita sem hesitar. — Apenas sorria. — o Mão da Rainha aconselha.
Apenas sorria., ela repete mentalmente. Enquanto se casa com um ordinário tanso e miserável.
Euron Greyjoy carrega ao redor dos ombros o manto com o brasão de sua família. Cersei não consegue evitar pensar em quão ridículo o emblema é. Uma estúpida lula gigante e dourada. Pelo menos a cor do animal harmoniza-se com seu imponente vestido de noiva.
O longo vestido é costurado com linha cintilante vermelha, que se espalha pelo tecido dourado em bordados abstratos, adornados por algumas minúsculas pedras preciosas. Acima de seus seios, a silhueta selvagem de um leão rutila em vermelho e dourado, refletindo alguns pequenos raios com o sol.
Cersei obriga a si mesma a abstrair, retirar-se da situação em espírito, uma vez que é obrigada a manter-se presente de corpo.
Estúpidos deuses, estúpidos fiéis e estúpidos súditos. Por um curto momento, uma centelha de incerteza ousa se instalar como uma pulga lhe incomodando atrás da orelha. Por que está fazendo isso? Por que está fazendo tudo isso? Por que não deixa a famígera garota dos cabelos prateados tomar o poder, a ferro e fogo, acompanhada por um séquito de homens castrados, selvagens hircosos e bestiais, estultos nortenhos e bestas aladas cuspidoras de fogo?
Talvez porque desistir não está no sangue do leão.
A voz da bruxa ainda ecoa em seus ouvidos, uma perseguição constante. "Você será rainha, mas virá outra, mais jovem, mais bonita, para humilhá-la e tirar todo o seu poder".
Também por isso. O leão faz sua própria profecia. O leão faz sua própria verdade.
Quando ela se dá conta, está em seu quarto, sendo despida por seu novo marido asqueroso. É esse o preço que tem que pagar. Mas por pouco tempo.
O sorriso no rosto de Euron é hediondo como o próprio. Ele toca a pele da rainha com dedos calosos e com cheiro de peixe. Ela ergue a cabeça, o queixo apontado para cima como um troféu. Sorri de volta enquanto prende a respiração.
Euron desce as mãos até sua barriga, parando por uns instantes sobre a saliência que aponta seu futuro herdeiro. Ainda é pequena, mas qualquer um que tocar pode sentir. A bruxa estava errada. Cersei gerará um novo príncipe, um novo leão. Cersei gerará um futuro.
— Ele será chamado Quellon. — Euron diz, sem olhá-la nos olhos, empurrando-a para a parede.
Ela mantém o sorriso no rosto. É melhor que ele acredite nas besteiras que diz mesmo.

***

Sansa observa enquanto os homens carregam fardos de madeira e palha para o campo. Eles conversam em voz alta, e o som sai de suas gargantas acompanhado pela neblina do frio.
Mesmo para uma garota do norte, mesmo para uma rainha do norte, está frio demais. E é preocupante que boa parte de suas forças nunca tenha enfrentado temperaturas baixas.
Os dothraki praticamente se amontoam, pilhas de músculo e cabelo cobertas por vestes selvagens, peludas e fétidas. Apesar do tamanho e da massa, eles tremem quando as pancadas de frio lhes atingem.
Às vezes ela nota os dentes dos Imaculados rangendo enquanto eles batem os queixos de frio.
Parece a receita para o desastre.
Acima dela, a imensa criatura esverdeada levanta voo, rugindo como o monstro que é.
Apesar de serem sua maior chance, Sansa não consegue gostar deles. São a síntese de tudo que a ameaça tão de perto. No entanto, toda vez que eles sobrevoam os combatentes, o moral do grupo sobe, junto com o medo.
É doloroso, mas ela precisa admitir que é uma carta na manga. Ou melhor, duas. Duas enormes cartas na manga.

***

Jon está sentado, pateticamente encolhido em um canto pouco iluminado das criptas.
É onde tem passado a maior parte do tempo, já que não consegue sequer encará-la.
Sua rainha. A mulher que ama. E sua tia de sangue.
As coisas não poderiam ser mais absurdas. Mesmo historicamente cercado por acontecimentos como tal, ele está desamparado.
Ouve os passos animalescos em sua direção e nem precisa ver para saber que Fantasma o achou.
Os olhos vermelhos brilham na escuridão, aclarados pelas luzes bruxuleantes das tochas espalhadas.
Jon nada diz, e o lobo senta-se ao seu lado, insinuando-se por ao menos um afago. O que Jon prontamente obedece.
Quando as luzes batem na pelagem alva do animal, Jon vê, nítida em sua mente, a neve de Winterfell. Mas, nos olhos vermelhos, enxerga o fogo dos Targaryen, o fogo que, misturado ao gelo, queima em suas veias.
Ele é tantas coisas, todas as coisas, mas não sabe o que se tornou.
Desolado, escondido e confuso, ele adormece, amparado pelo corpanzil peludo de Fantasma.
Em seus sonhos, está distante. Não mais em Winterfell, ou na Muralha. Ele não reconhece o lugar, mas sabe que já esteve ali. Quando? É a pergunta. Não onde.
Seus olhos enxergam uma bruma densa e fervilhante, que se dissolve na escuridão com um súbito sopro de frio gélido vindo do norte.
Jon está sobre um monte enegrecido, fitando o infinito abaixo de si.
Ele sente o calor em sua mão direita antes de perceber qualquer outra coisa. A levanta, surpreso com o peso.
Sua espada, Garralonga, está ardente, encoberta por brasas e exalando fumaça e calor.
Está fervendo, mas ele não a solta.
Respira fundo, buscando explicações para tudo que lhe cerca. Quem ele é? Se lhe perguntarem, não poderá responder.
Subitamente, a brisa advinda do norte parece cercá-lo, um redemoinho de vento gelado em volta de si, o homem com a espada de fogo nas mãos.
"Você é o que sempre foi. E sempre foi o que sempre será", o sussurro soa em seu ouvido, quase como que de dentro para fora.
Repentinamente superaquecido, Jon Snow abre os olhos.








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⏰ Last updated: Nov 19, 2019 ⏰

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The Long Night (Fanfic de Game of Thrones)Where stories live. Discover now