Envolvida pela serpente

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- Caso eu perceba algo estranho acontecendo, se eu ver algum estranho não-relacionado à vizinhança, como posso falar com o senhor ou outros policiais? Posso pedir a interseção de um dos meus cunhados?

- Naturalmente, milady. Agradeço pela atenção. - despediu-se com um movimento de chapéu e entrou na carruagem velha e carcomida que parecia conduzir outros homens de Bow em busca dos fugitivos.

Tempest entrou na casa e continuou observando o veículo se distanciar da rua através da grade, até perceber que estava sozinha do lado de fora da residência. Sua cabeça estava queimando: se Brenton e seus homens haviam chegado tão longe em sua busca por ela e Snake, isso significava que eles precisavam urgentemente resolver o problema de Alwyn Bates. Não poderiam mais recorrer a testemunhas e pessoas que poderiam ser confiáveis. Já havia passado da hora de fugir – eles precisavam agir de forma ainda mais incisiva.

Quando chegou ao hall de entrada, encontrou Snake sentado em frente à porta, numa poltrona confortável, usando apenas um robe preto. Não sabia de onde viera aquela vestimenta, e não entendeu a tranquilidade com a qual ele a observava, degustando um whisky com toda a atenção.

- Eu tinha visto Brenton passar na rua na mesma hora em que desceste do carro, milady. - comentou o mercenário, como se nada tivesse acontecido entre eles na noite anterior.

- Ele está a perguntar sobre nossa presença. Devem estar circulando por toda a cidade em busca dos fugitivos que tentaram invadir a Bates Palace.

- O cerco está se fechando... E eu não gosto disso.

- Nem eu, Sr. Snake. Precisamos colocar Alwyn Bates numa situação em que ele seja obrigado a confessar seus crimes. Não tenho interesse mais em mordomos, vamos colocá-lo numa armadilha.

- Crês que ele realmente cairá numa armadilha preparada, principalmente após o que houve no palácio?

- Sim... Se o senhor demonstrar a ele que tem algo que ele deseja.

Snake arqueou uma sobrancelha. Entendeu perfeitamente o plano de Tempest.

- Dizer que tenho os documentos que provam a filiação de Dimitri Gray e mostrá-los para Alwyn.

- Ele ficará tão animado, feliz, tão confiante, que revelará todos os seus crimes para o senhor... Enquanto a polícia ouve tudo, escondido em algum lugar.

- Isso me lembra algo que já fiz há alguns anos... - Snake parecia se recordar de uma armadilha similar preparada em circunstâncias diferentes.

- Então tens conhecimento de como pode ser feito, Sr. Snake. Deixaremos o plano mais refinado e assim que resolvermos, falarei com meus contatos.

- Estou curioso para saber quem são eles... Acaso trata-se de Sir Henry?

A jovem cruzou os braços.

- Não o interessam os meus contatos, Sr. Snake.

A resposta dela foi recebida com um riso divertido do mercenário, que levantou-se de um salto do sofá e deixou o whisky numa mesinha de canto. Percebeu o olhar de Tempest e suas mãos fechadas, prestes a esmurrá-lo novamente. Mas não cairia novamente naquela surpresa.

Ainda não sabia a razão pela qual a donzela havia sumido, mas eles ainda tinham muito a conversar; e aquele era o momento perfeito. Não haviam segredos a serem guardados entre eles.

"Não todos, mas em sua maioria..."

- Milady, após aquele beijo que trocamos, não existem mais segredos entre nós...

- Isso não interfere no fato de eu conheço pessoas cuja identidade não pode ser revelada da forma que desejas!

- Não me interessam nem um pouco se escondes suaassociação com Sir Henry ou outras pessoas importantes do governo. Conheço avários. Os seus segredos são os meus, milady, e agora, não tenho mais motivo algum para manter esse jogo de não-ditos.

- Qual foi o momento em que os nossos segredos se costuravam, Sr. Snake?

- No momento em que eu a beijei e descobri que me querias da mesma maneira... Ou provavelmente no momento em que deste um soco em meu rosto, absolutamente perdoável.

- Ora, não sabia que eras um idiota completo! - Tempest não podia acreditar que se apaixonara por um homem apaixonado pela própria imagem no espelho.

Aproximou-se dele, ameaçadora e disse, apontando o dedo em seu rosto:

- Assim que isto tudo acabar, quero vê-lo bem longe das minhas vistas, mercenário!

- Isso não será possível, milady... - segurou a mão que o apontava e deu um singelo beijo, como se quisesse acalmar a jovem. Percebeu que ela o observava surpresa pela ação, com aqueles olhos de gata, observadores e sinuosos, que o tinham impressionado desde o primeiro dia em que se viram, dois anos antes, numa situação surpreendente para ele. - Jamais a deixarei longe de mim. E nem posso fazer isso, pois outro cavalheiro tentaria conquistar a senhorita que me interessa.

- Nenhum homem jamais iria me querer, Sr. Snake! - retrucou Tempest, num tom que não parecia desafiador, e sim melancólico.

- Porque eles são fracos e limitados. E eu sei quem eu sou, milady: um homem sem pátria, sem lugar no mundo, que encontrou alguém que realmente me completava. - tocou em seu rosto, prestes a chorar com a revelação que se aproximava. - Alguém que me olha como um igual. Que me desafia e que me faz ser melhor, mais digno. Nunca, nunca, Tempest, pense que és pior, que não mereces o amor que estou te oferecendo neste momento. Eu não mereço sequer ser visto por você.

"Ele... Ele me ama?"

Snake esperava um chute, outro soco, qualquer coisa em resposta. Foi recebido por um beijo tão intenso, tão forte e tão caloroso que poderia aquecer o mais cruel dos invernos.

Sem eles perceberem, o tempo fechou na cidade, deixando o céu cinzento e gotas grossas caindo do céu, prometendo uma chuva interminável. E sem suas mentes notarem, seus corpos os conduziram, sem perceberem, diretamente ao escritório, tão aquecido quanto seus corações, que finalmente batiam num mesmo compasso, em meio à necessidade única de estarem juntos, unidos, como um só.

Sem notarem, roupas, robes e penteados eram deixados para trás, e o que permaneceu foi apenas um suspiro de felicidade e um beijo de amor.

A Tempestade e a SerpenteWhere stories live. Discover now