O Penúltimo Dia

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 Isaías acordou, não conseguia levantar ou ficar sentado nem falar alto, mas não estava tão fraco quanto no outro dia, sentia-se um pouco melhor, novamente. Não se lembrava de seu passado, só sabia que sua filha sua neta e seu genro proporcionaram-lhe uma manhã agradável e uma tarde emocionante no outro dia. Era uma lembrança nítida e ao mesmo tempo fraca, quase como se fosse um sonho, isaias sabia que não era.

 Isaura já estava no quarto quando seu pai acordou, ela estava lendo uma revista e demorou alguns segundos para perceber que Isaias acordara.

 _Pai, o senhor acordou, bom dia_ disse isaura.

 _Bom dia, filha, me desculpa, eu esqueci seu nome.

 _É Isaura, pai, é só troca "ias" por "ura".

 _Ah sim, nomes combinan... 

 Uma tosse fraca fez com que Isaura percebesse que não poderia ficar falando por muito tempo com seu pai, ele estava com os pulmões fracos e só continuava vivo por causa de seu forte coração que insistia em continuar batendo. Ela acariciou o seu rosto para conforta-lo e ao fazer isso Isaias percebeu que sua barba estava maior do que ele achava que deveria estar. "Laura" ele se lembrou, impossível esquecer o nome da jovem que foi tão caridosa com ele.

 _Laura_ repetiu Isaias agora em voz alta.

 _Isso mesmo, Laura combina com Isaura.

 _Barba, Laura fez minha barb...

 _A memoria do senhor esta cada dia pior, nem se lembra mais do seu dom.

 Aquela palavra era tão confusa quanto "inconstitucionalissimamente", uma simples palavrinha de três letras. Poder? Habilidade? Peculiaridade? Usar essas palavras para definir "dom" era como dizer que a torre Eiffel era uma coisa de metal. 

 _Laura, está na faculdade, meu pai_ disse Isaura _mas não se preocupe, amanhã é sábado e ela estará aqui para fazer sua barba.

 Amanhã? Amanhã significa futuro. Seria possivel que as lembranças daquele outro dia ainda estavam para acontecer?

 _Dom, futuro_ disse Isaias pausadamente.

 _Isso mesmo, pai, o senhor tem o dom de prever o futuro.

 Isaias voltou a dormir e Isaura não sabia se ele havia entendido o que ela dissera e também não sabia se devia ter dito.

 A casa onde moravam era um pouco maior do que o normal, só um pouco, lá fora havia um quintal que ocupava metade do terreno da residência, lá era um ótimo lugar para Isaias tomar banho de sol, tinha uma grama aparada, uma pequena piscina rodeada por uma cerca, um pé de manga, um bebedouro para pássaros e outras coisas do tipo. Após uma hora de sono ele acordou, ele se lembrava da ultima conversa que tivera, mas não da ultima frase, Isaura colocou seu pai em uma cadeira de rodas com a ajuda de uma enfermeira que também ajudava a arrumar a casa.

 Só haviam três pessoas na casa, Laura estava na faculdade e Alberto, marido de Isaura, estava no trabalho. Enquanto a enfermeira arrumava o quarto de Isaias no seu ultimo dia de trabalho, Isaura lia a bíblia para seu pai que já estava com as vistas cansadas. Ela fazia isso todos os dias, um capitulo inteiro e as vezes até mais, quando terminou, levantou-se e sem querer derrubou a bíblia na piscina. 

 Isaías ficou triste, ele não se lembrava daquele livro e fora de contexto aquelas palavras não lhe faziam sentido, ele queria ter evitado isso, queria ter levantado de sua cadeira de rodas e corrido para pegar a bíblia que não caiu. "O que está acontecendo" perguntou-se.

 _Quase que eu a derrubo_ disse Isaura que estava segurando a bíblia pela capa a única coisa que havia caído era o marcador de paginas _ainda bem que o senhor me avisou ontem que isso ia acontecer, mas o senhor poderia ter me avisado sobre o marcador.

 O marcador não estava mais no chão.

Dom, relembrou-se de no novo, Como podem duas lembranças diferentes em um mesmo tempo e espaço, "ainda bem que o senhor me avisou ontem", "eu avisei? ontem"? Eram tantas as perguntas, era tanta coisa para assimilar que Isaias passou mal, Isaura ficou desesperada e gritou pela enfermeira, ela ajudou-a a coloca-lo de volta na cadeira e depois colocar Isaias na cama. A duas chamaram o medico, o mesmo que Isaias se lembrava de ter escutado seu coração em um outro dia.

 _Ele não está pior do que antes_ disse o medico _parece que ele teve apenas um mal estar, você deve evitar qualquer coisa que possa estressa-lo.

 Isaura não mais tocou no assunto do dom, sempre que ia acontecer algo que seu pai lhe avisara antes ela deixava acontecer pra evitar as "ilhas" como ela chamava o que Isaias teve quando ela derrubou a bíblia. Durante todo dia ela para seu pai, não só a bíblia, mas também outros livros religiosos. 

 À noite chegou Laura, ela trabalhava de faxineira em um hospital para pagar sua faculdade de medicina, na verdade seus pais pagavam a maior parte e o resto do dinheiro do salário ela colocava na poupança e usava para se divertir. Ela abraçou e beijou Isaias na testa, parecia estar contente em vê-lo, como se não o visse a um bom tempo, "impossível" pensou ele. 

 _Boa noite vô, como foi seu dia_ perguntou Laura animada, nem parecia que havia chegado de um dia cansativo na faculdade.

 _Bem_ respondeu Isaias com um sorriso leve de um homem cansado.

 _O meu também, quer dizer, eu tive alguns problemas mais nada demais.

 _Barba.

 _Sim, ela está bem grandinha, mas não se preocupe minha mãe vai corta-la depois.

 Laura fora instruída por sua mãe a não falar sobre o dom de Isaias, ela não podia dizer que iria corta-la amanhã por que amanha tinha sido ontem na perspectiva de Isaias e esse choque poderia agravar o seu já debilitado estado de saúde. 


Morte Vida e Nascimento de Isaias PatelaWhere stories live. Discover now