Capítulo 03 - Entre fatos atestados

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Manuela tinha dois estados de espírito em destaque que se dividiam em outros tantos: Indignação e Alegria.

Quando ela estava indignada virava uma mulher perigosa, pois ela é do tipo que você não tem a menor ideia sobre o que ela está pensando, exceto se ela falar. E quando ela fala, meu amigo, melhor sair de perto, porque ela não fala, ela berra. Mas se ela não berrar, então temos um problema.

— Aquele filho da puta, escroto, sem mãe... Eu deveria ter arrancado o olho dele! — gritou depois de entrarmos em casa.

E sim, ela podia fazer isso, mas havia algo que a impediu de fazer, talvez a surpresa.

— Manu...

— Sabe o que eu acho? Acho que a Anne estava certa em te livrar dele. Com um melhor amigo desses, quem precisa de inimigos?

— Manu...

— E quer saber mais? — Ela se virou para mim e apontou o dedo como se eu fosse o culpado. — Ele vai me pagar. Não pense que só um "me desculpe" vai resolver. Eu virei o quê para me tratar desse jeito?

E alguém a culpa por estar tão furiosa?

— Manu, se acalme...

— Me acalmar? Meu Deus, ele ia me beijar a força...

E quando ela ficava indignada, às vezes tendia a chorar. Foi por se inclinar para esse lado que resolvi vencer o espaço da sala que nos separava e a abracei. Deixei que chorasse o tanto que quisesse, afinal, não deve ter sido nada fácil para ela. O susto, o pavor, a insegurança...

Quando mais novos, Bernardo costumava dar em cima das minhas namoradas para testar o grau de fidelidade de cada uma, todas fracassaram penosamente, exceto uma. Mas nunca o vi agir de maneira tão agressiva quanto agiu com Manuela e isso me impedia de acreditar que nossa amizade voltaria a ser igual.

Como confiar? Como acreditar em tudo o que ele disser? Como permitir que ele acompanhasse uma namorada minha no futuro, se não sei até onde ele pode ir? Voltar a nos falar era uma possibilidade, mas confiar estava fora de cogitação.

Naquela noite, eu descobri que dava um aperto no peito ouvir Manuela chorar, ela nunca chora... ao menos era assim que eu queria imaginar.

Acordei sentindo meu braço pesado, mas já tinha uma leve noção do que era. Olhei para os lados, em busca do meu celular que gritava feito filho desgarrado contra a vontade, e notei que o sol estava mais forte.

— Alô?

— Pedro? Cara, você não vai acreditar no que está acontecendo!

— Além do fato de que hoje é sábado e não tenho por que acordar de madrugada?

— Madrugada o quê, tá louco? Já passa do meio-dia.

Puxei meu braço dormente com cuidado e observei Manu deslizar de leve para o lado. De tanto chorar, acabou adormecendo nos meus braços e dormimos de conchinha no sofá. Acredite, não tem nada de confortável nisso. Fofo? Talvez. Confortável? Não mesmo.

— O que você quer, Bruno?

— Acabei de chegar da faculdade, cara.

— Espera... como assim? Teve aula hoje?!

— Não, só fui buscar minha namorada. Resumindo, o povo só sabia falar de uma coisa.

— Virou fofoqueiro, é?

— Cala a boca e escuta. Todo mundo ficou impressionado sobre como você defendeu a Manu, entende? Você nunca tinha ficado tão...

— O que você queria que eu fizesse?

— Só estou dizendo que as pessoas só estão falando nisso e você pode usar essa situação ao seu favor.

— Como assim?

— Santa lerdeza! Olha... Imagine o que aconteceria se você assumisse um relacionamento duradouro com ela. Todo mundo ia esquecer o que aconteceu com Bernardo e é possível que nem se lembrem de que você namorou a Anne. Além do mais, de quebra, vocês estão morando juntos e é tudo aquilo que eu e Tiago te falamos ontem.

— Hum... Não sei se é uma boa ideia.

— Porque não seria?

— Ela me trata pior que pano de chão! Quem vai acreditar nisso?

— Então, essa parte é com você, meu caro Watson.

— Te lascar, Bruno! Isso não é nada inteligente.

Ouvi sua risada e o celular ficou mudo. Olhei para o lado e observei Manuela em um sono tranquilo, era como se nada fosse mais importante para ela.

E então senti que eu tinha uma missão impossível nas mãos. Ela nunca aceitaria me ajudar com isso, o que eu poderia fazer?

Mas foi com o passar dos dias que percebi algo interessante, Manuela não precisava saber de nada.

— Pedro?

— Sim?

— Você está namorando a Manuela, não é?

Manuela se tornou mais amigável depois do ocorrido, mais próxima também. Se antes ela me tratava como homem imprestável e queria ficar longe, ela passou a me tratar como homem tolerável e aceitou ficar perto, tão perto que nossos grupinhos se misturaram.

— Ham... bem...

— Eu soube que vocês estão morando juntos.

— Estamos sim.

— Que pena...

— Por?

— Nada não. Até qualquer hora.

Enquanto eu sorria feito um tapado, a sala de aula se esvaziava e senti um tapa no meu ombro. Tiago havia visto como Sharmene havia me olhado enquanto eu arrumava as minhas coisas. Naquela noite eu soube como mentir sem mentir. Confuso? No começo era até para mim, mas depois...

— Pedro? Porque está me esperando?

— Você vive reclamando que te deixo para trás nessas ruas perigosas.

— Ui, ganhei um segurança.

Um namorado espera sua namorada para irem juntos para casa todos os dias, não tem erro.

— Quer ir ao mercado comigo? – Manu perguntava essas coisas sem controlar o tom de voz, ajudava bastante.

— Isso.

— Você está com febre ou coisa assim?

— Claro que não. Só quero garantir que você não vai estourar o cartão.

Um marido preza pelas finanças da casa, pelas compras juntos e etc. E você deve perguntar sobre o que isso tem a ver, mas umas duas colegas minhas trabalhavam no mercado em que a gente frequentava.

Mas a cereja do bolo era na faculdade.

— Droga, esqueci minha carteira em casa... – E isso não é novidade na minha vida, ela vive esquecendo.

— E você queria o quê?

— Eu não comi nada, queria comprar um lanche. Será que a tia deixa eu pagar amanhã?

— Pega o que você quer e eu pago.

— O que é isso tão de repente?

— Nada.

Um homem apaixonado preza pela saúde de sua amada. Nada muito complicado de se entender.

E nesse ritmo o tempo foi passando e eu acertei em como mentir sem mentir, mas mimei Manuela demais.

rb.B

[DEGUSTAÇÃO] Segredos de um namoro fajutoWhere stories live. Discover now