01 - DEGUSTAÇÃO

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Júlia Oliveira

Sabe quando a gente tem a sensação de que não nos encaixamos em lugar algum? Parece que nunca encontramos nosso lugar no mundo... mesmo que procure em cada cantinho, nunca há um lugar...

Tenho tentado muito mudar, não fazer merda, dar orgulho para minha família, mas quando tudo parece estar dando certo, eu acabo destruindo novamente.

É como se minha alma estivesse destinada a nunca ser feliz.

Estava tudo indo tão bem com minha mãe nos últimos dias, fazia muito tempo que não tínhamos problemas ou discussões, mas ontem a noite fui para uma balada com alguns colegas da faculdade, e me deixei influenciar pelo momento e acabei me drogando.

Ela não iria descobrir, eu tinha tudo planejado, mas na volta da festa sofremos um acidente de carro, o policial pegou todos nós drogados e a maioria sem documento algum, inclusive eu.

acabaram ligando para minha mãe, ela ficou puta, fez um discurso enorme e além disso resolveu me dar um "castigo"

O tal "castigo" ou uma forma de se livrar de mim, foi ligar para meu pai e pedir que o mesmo me leve para ir passar um tempo no morro do alemão com ele.

Ela afirma que é um castigo, mas é lógico que ela somente está cansada de o tempo todo eu fazer alguma merda, eu juro que não a julgo.

Eu também iria querer me livrar de mim.

Costumava visitar meu pai nesse morro quando criança, mas quando os "vapores" começaram a me olhar diferente meu pai nunca mais me levou até lá

Quando eu tinha 7 anos eu e minha mãe viemos morar no asfalto, tudo é legalzinho aqui, mas eu tenho muitas saudades do meu pai.

Ele é vapor do morro, mas é um vapor de respeito, Ele era subdono antigamente, mas quando o "PH" morreu ele abriu mão de ser dono, falou que aquilo não era pra ele.

Agora quem comanda lá é um tal de cobra, pelo que eu sei ele é filho do ph.

Como sei de tudo isso? Meu pai costuma me ligar pelo menos uma vez na semana e sempre ficamos fofocando até tarde, ele poderia ser considerado um x9, mas as fofocas são feitas apenas para mim.

– Filha, está fazendo o que? - falou entrando em meu quarto

- Oi, estava perdida em meus pensamentos - sorrio fraco levantando de minha cama

– Seu pai deve ligar daqui a pouco. - falou e abaixou a cabeça - vou sentir muito a sua falta.

- me deixa ficar então... prometo que não faço mais nenhuma burrada - digo a olhando com cara de cachorro pidão

– não Júlia, você tem que entender que o que fez foi muito grave, sabe lá o que poderia ter acontecido, precisa aprender que toda ação gera uma reação, mesmo que isso me doa... você precisa arcar com as consequências. - falou firme

– tudo bem, eu já entendi. Mas não diga que sentirá saudades, não preciso de suas mentiras.

– eu não estou mentindo, filha. você acha mesmo que eu te mandaria morar num morro, correr perigo, por pirraça minha? - dou de ombros sem a olhar

– eu não sei, só quero ficar sozinha, da licença? - sentei na cama novamente cruzando os braços como uma criança birrenta

– assim que seu pai ligar eu aviso! - falou e saiu do quarto, sei que novamente a estressei demais.

Mas caramba, odeio carregar o fardo de ter que ser tratada como uma criança mesmo já sendo de maior.

Raiva é o único sentimento que consigo sentir agora, raiva por não saber me conter e falar coisas sem pensar, por agir sem pensar, eu me deixo levar muito fácil.

Mas é lógico que é pirraça dela, que mal tem em usar maconha? Ela era casada com um traficante, é óbvio que deve ter feito coisas muito piores.

Mas não, ela tem que fazer uma tempestade no copo d'água.

QUE ÓDIO!

E outra, ela acha que vai ser ruim morar em um morro? Com festas, bebidas, homens e muito mais drogas? Alguém avisa.

A vontade que tenho é de piorar cada vez mais, já que nunca está bom pra ninguém mesmo, jogar tudo pro ar e começar a viver da forma que eu quero.

Minha vontade era ficar aqui, tenho minha faculdade, meus amigos, planos e sonhos para realizar, e meu namorado.
Eu não queria ter que deixar tudo para trás, mas parece que estou com poucas opções no momento...

{...}

Passaram mais de 30 minutos e nada de meu pai ligar, já são quase 22h normalmente ele liga antes disso, eu já estava ficando agoniada pensando que poderia ter acontecido algo com ele.

Minha mãe nem fez questão de dar as caras mais, e meu pai ou deve estar fudido ou esqueceu que tem filha.

Mané falou que ia me ligar as 20:00, cadê a palavra de "sujeito homem" como ele mesmo diz?

Ta, eu admito, tô exagerando no drama, mas é culpa da tpm e não minha.

A gente fica vazando, dá uma cólica do cacete, de manhã não dá nem vontade de levantar e o pior... eu quase morro comendo, se deixar como até às paredes da minha casa.

Negócio do satanás mesmo.

– JÚLIA - ouço minha mãe gritar

– O QUE? - grito de volta

– vem até aqui, seu pai está na linha

Levantei e fui correndo, Sentei ao lado dela e fiquei escutando.

– sim, eu ainda quero mandar ela... Não mas ela tem que aprender... Se fosse um lugar bom eu nem mandaria ela né?... É um castigo, ou tu acha que eu iria mandar ela de castigo pra New York? - ela falava em meio as pausas para ele responder

Não seria uma má idéia mãezinha.

– sim, ela está aqui ouvindo... não tenho mais nada para falar, fala você com ela! - me entrega o celular e sai "marchando"

- e ai pai, como o senhor está? - digo levando o celular até minha orelha

– e ai, princesa! tô de boa, e você?

- de boa na lagoa - falei e ouvi a risada dele.

– se liga, cê vai ter que vir sozinha mermo, se os gambé me pega fora do alemão estou fudido.

– estou "ligada", quando eu tenho que ir? - pergunto

– pode vir amanhã mermo, vou estar te esperando na barreira.

– beleza, te vejo amanhã.

– juízo em loirinha, te amo pra caralho morô?

– juízo é meu sobrenome, te amo pai. - ouço sua risada e em seguida ele manda um beijo, retribuo e desligo a ligação

– seu pai é horrível, ele não sabe nem dar uma lição, te trata como se fosse uma santa. – diz minha mãe saindo de trás da porta

- que falta de educação ficar ouvindo atrás da porta dona Maria - digo rindo – eu vou embora amanhã.

– falta de educação um cacete, queria ver se teu pai seria útil pra alguma coisa, mas já vi que ele não mudou nada.

– vocês se amam tanto - digo passando por ela,
fui pro meu quarto, tomei um banho rápido e coloquei um pijama leve para dormir

Saio do banheiro já me jogando da cama, me joguei muito rápido e acabou que cai igual bosta no chão.

Nossa, doeu!

Graças a Deus que a porta tá fechada, se não minha mãe iria rir eternamente... eu virei um mortal, ta maluco.

Sinto minha barriga roncar, vou até a cozinha abrindo a geladeira, pego uma coca cola de lata, a única que tinha, estava me esperando. Abro o armário pegando dois pacotes de salgadinho e uma caixa de bombons

Uma mistureba, eu sei.

Quando eu tava saindo minha mãe me parou

– que isso? Pretende alimentar um batalhão? - diz ela me encarando

– não exagera, só tô com fome.

– quem esta exagerando é você, vai ficar imensa desse jeito, vamos me dá isso aqui. - pega tudo o que estava em minhas mãos, a encaro com cara de bunda

– a janta está quase pronta, segura essa fome um pouquinho.

Minha mãe sempre é CHATA.

Amor Bandido - DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now