Borboletas no estômago

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Era hora do almoço e meu corpo todo morria de fome. Entrei num restaurante à quilo que havia perto da escola onde eu trabalhava. Sentei na mesa e logo uma garçonete veio anotar meu pedido. Nós pés dela, um sapatinho preto com meias brancas. Usava também um vestido azul claro com avental branco e nos cabelos loiros uma fitinha preta dava o contraste. Bonito contraste. Eu pedi o prato feito do dia sem nem mesmo saber o que era, tamanha a fome que eu sentia. "E para beber?" Ela perguntou me olhando com aqueles olhos azuis enormes. "Uma coca em lata" eu respondi e ela saiu parecendo escrever em seu bloco de notas mais coisas do que meu simples pedido.

Quando ela voltou eu já estava com o garfo e a faca empunhados e pronto para o amor. Ela colocou o prato na mesa e imensa foi minha surpresa: um prato de borboletas. "É a salada?" Eu perguntei. "Não, é o prato do dia." Ela respondeu colocando minha lata de coca cola na mesa e saiu logo em seguida sem olhar para trás, sumindo pela porta da cozinha. Eu estava cheio de fome e como não sou de negar fogo, coloquei pimenta naquelas asinhas que pareciam folhas da primavera e mandei estomago à dentro.

Continuei meu dia e à tarde fui para faculdade, não senti mais fome. Engraçado é que geralmente só lembramos de comer quando a barriga reclama mas não no meu caso. Dizem que é o signo, sei lá. Eu não sei rezar e aparentemente só sei comer e amar. É uma constante em meu corpo. Estomago e coração se intercalando pedindo minha atenção. Freud deve explicar essa situação.

Agora sentado em uma carteira na sala de aula, um sorriso aberto não olhava diretamente para mim. Acho que ela olhava para a câmera frontal. Eu lhe stalkeava no exato momento em que ela passou pelo corredor. Deu uma olhadinha pela porta para ver se o professor já tinha chegado e saiu em disparada pelo corredor afora. Será ela tão linda como na foto ou meus olhos que procuram beleza fulgas e jovial se escondendo por trás de uma cortina de desejos e amores avassaladores não vividos durante uma vida cheia de percalços, timidez e poeira nos olhos?

Logo após daquela visão rápida da verdade de Platão meu corpo todo se confundiu e o ar que entrou na minha boca por um suspiro rápido, transformou meu estomago num céu azul de tarde perfeita com sol de verão e um ventinho bom que espalhou folhas pelos campos do meu coração sem fim.

Começo a soluçar. A surpresa da manhã volta em forma de borboletas que saem da minha boca à cada movimento involuntário de minha barriga. Outro soluço e outra borboleta sai de minha boca. Apenas o gato da sala viu e subiu na mesa para tentar agarrar uma, o que atraiu a atenção de todos e me deu tempo de sair correndo antes que alguém percebesse meu estado fora do comum.

Saí para fora do prédio e sentei nas escadas. Solucei outra vez e outra borboleta saiu de minha boca indo em direção a ela. Ela mesma. Ela estava sentada comendo um lanche ao meu lado enquanto meu corpo todo soluçava de paixão. Seu rosto estava levemente rosado daquela tarde ensolarada e entre um soluço e outro minh'alma embriagada de amor tirava os óculos de sol para enxergar melhor aquela beleza singela e verdadeira sem as lentes do tesão.

Nos cachos pretos cor de refrigerante ela usava um lacinho amarelo. Bonito contraste. Usava também uma regata florida que deixava à mostra as sardas que pintavam seus ombros e se confundiam com a alergia ao sol, se espalhando pelo pescoço, alvo do meu olhar. Adentravam pelo decote discreto que eu evitava olhar para não soltar mais borboletas que denunciavam meu estado de espírito.

Segurei meu soluço com a mão no nariz, em vão. Agora de minha boca sai um punhado de borboletas coloridas. Ela riu com um sorriso lindo e sujo de lanche, perguntou se eu queria uma pouco da coca cola dela. "Toma, coca é bom para o soluço." Eu tomei e foi essa a primeira vez que meus lábios tocaram os lábios dela por aquele canudo que depois seria engolido por alguma tartaruga no mar.

Borboletas no estômagoWhere stories live. Discover now