Dia dos Namorados? Esqueci!

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Mais uma mensagem. A quinta em menos de trinta segundos. Ricardo pegou o celular pensando em colocá-lo no modo vibrar. Olhou de soslaio para o Sr. Otávio, o dono do escritório de contabilidade onde trabalhava como office-boy. A cara de impaciência dele indicava que os assovios de aviso de mensagem estavam incomodando. Engoliu em seco, deslizou novamente o celular para o bolso e voltou a organizar os papéis antes de se prejudicar. Já passara do seu horário, mas era melhor terminar o que começara. Soltou o ar, chateado. Quando ele iniciara o dia, não imaginava o quão seriamente encrencado ele terminaria.

O celular assoviou novamente. Só podia ser a Vanessa, Ricardo pensou irritado. Ainda seria demitido por causa dela. E pelo jeito, já estava bem perto disso. Ele foi em direção ao banheiro. Um bocejo sonoro ecoou pelas paredes daquele cubículo. Dia cheio, cansativo. Verificou o celular.

O que será que aquela garota queria dessa vez? Já não bastava tê-lo feito se arrastar da cama às cinco da manhã para ir à academia? Pensando bem, era melhor fazer marcação cerrada. Mesmo depois de uma noite de maratona de jogos on-line. Vanessa está ficando um arraso! E está cheio de gavião na academia!

"Mô"

"Tá lembrado que dia é hoje?"

"Já preparei aquela lingerie pra hoje à noite"

"Não vai esquecer meu presente"

"Se não, nada de comemoração".

A última mensagem era a foto de um boneco de neve de pelúcia. A penúltima, era uma sentença de morte para sua vida amorosa. Vanessa estava obcecada para ganhar aquele presente. Nunca entendeu o interesse que as garotas têm por bichos de pelúcia, pensou balançando a cabeça negativamente. Porém, o fato mais estranho era que não se lembrava de que dia era hoje e nem de que comemoração sua namorada estava falando.

Não importa, a visão da Vanessa em uma lingerie nova, vermelha, de renda, aflorou em sua mente. Só aquilo valia o presente. Sonhando acordado com ela, Ricardo nem conseguia se lembrar que ainda estava no trabalho. Um pigarro alto chamou sua atenção e ele saiu do banheiro constrangido.

— Algum problema, rapaz? — A voz pastosa do Sr. Otávio combinava com sua barriga imensa de cerveja, os cabelos ralos e os óculos "fundo de garrafa".

— Não, nada. — Era melhor terminar o serviço antes que o dia terminasse em uma tragédia, pensou Ricardo sem saber o quão perto da verdade estava essa premonição.

— Já comprou o presente do dia dos namorados? — Seu chefe perguntou adivinhando o teor das mensagens e o olhar sonhador de seu funcionário.

O olhar assustado e incrédulo que Ricardo lhe direcionou denunciou seu esquecimento e o porquê da cobrança insistente da namorada.

— Ahã! Esqueceu não foi? — O sorrisinho debochado e a cara de quem sabe mais do que todo mundo, faziam jus ao apelido que seus funcionários colocaram nele, Sr. Otário. —Vou fazer esse favor a você. Já são quase dezoito. — Disse-lhe olhando em seu enorme relógio de pulso. — Vai comprar o presente da sua namorada. Mas presta atenção filho. Você não pode colocar essa garota na frente do seu trabalho e nem dos seus estudos.

Filho, filho, Ah! Já não bastavam os sermões do seu pai?! Não tinha que aturar os do patrão! Favor. Ah favor. Faça-me mil favores. Ricardo pensava debochado enquanto arrumava suas coisas. Como se só sair alguns minutos antes do horário fosse um favor. Sei. Aflito, verificou o conteúdo de sua carteiro com uma careta. Tomara que esse negócio que a Vanessa quer, não seja tão caro.

Saiu apressado. Já anoitecera. Suas esperanças de um encontro romântico feliz desvaneceram quando se lembrou, que a uma hora daquelas, quase todas as lojas já estariam praticamente fechadas. Por que fora esquecer o presente de sua mina? Ela, com certeza, não iria perdoá-lo. Ricardo passava as mãos freneticamente no rosto com o intuito de afastar o sono, o frio e o nervosismo. Talvez fosse melhor ir para casa e caprichar na performance e fazê-la esquecer do presente. Arg! Sabia que isso não daria certo. Sem presente, sem comemoração. Apressou o passo.

A rua estreita de casas coloniais, onde o escritório de contabilidade se situava, terminava em uma praça arborizada pouco iluminada. A noite escura, o assovio do vento gelado e as sombras ondulantes das árvores fizeram Ricardo estremecer e andar ainda mais rápido. Mesmo com o corpo cansado e os pés parecendo chumbo, a ameaça de uma greve por parte de sua namorada, instigou um pouco mais de energia em seu corpo.

Ao chegar ao fim da praça, Ricardo viu a loja de departamentos. As luzes, que deixavam as árvores com cara de seres malignos, piscaram. Apagaram. Acenderam. Era como se algo sombrio e sonolento estivesse despertando e prestando a atenção em alguém interessante: ele. Um frio passou por sua espinha. A loja de departamentos ainda estava aberta. Que alívio, pensou Ricardo esgueirando-se para o interior iluminado como que perseguido por fantasmas. Alguns retardatários ainda estavam comprando presentes do Dia dos Namorados.

— Ei, moça, vocês têm aquele boneco do mundo das neves? — Perguntei à primeira vendedora que vi. Ao ver a cara de confusão dela, complementei: — O Otávio. Otário. Olavo. Sei lá.

— Ah! O Olaf, você quer dizer? — A vendedora estava sorrindo. E que sorriso! — O boneco de neve do filme Frozen?

— Acho que é esse mesmo. — Mostrei a foto que a Vanessa me mandara. — Mas tem que ser de pelúcia. — Complementei.

— Certo. Está no fundo da loja. Perto dos DVD's e CD's.

Ricardo foi na direção indicada, estranhando nunca ter visto nenhum bicho de pelúcia naquela área. Será que a vendedora estava mentindo de sacanagem ou trocaram os brinquedos de lugar? Toda a semana ele ia à essa seção para olhar as novidades. Sempre comprava algum lançamento de filme de terror ou um CD de rock e nunca tinha visto nenhum bicho de pelúcia por ali. Mas não é que estavam lá? Em um canto perto da sua seção favorita?

As luzes da loja piscaram. Que negócio chato esse de acende e apaga! Ricardo já estava ficando com maus pressentimentos. Cada vez que as luzes piscavam seus pelos se arrepiavam. Ele logo identificou o boneco de neve. Um meio sorriso safado e piscando um olho para ele no meio do que parecia uma infinidade de cores e formas de diferentes bichos de pelúcia. Não faria mal nenhum ver se já tinha chegado o último filme baseado na obra de Stephen King ou o box dos livros de contos do H. P. Lovecraft, que ele estava aguardando, faria? Já sabia mesmo onde estava o presente da Vanessa. Era só um minutinho. Estava sozinho naquela seção. Sem distrações. Então seria um instante.

A noite prometia. Um filminho de terror. A gata satisfeita com o presente, abraçadinha a ele com medo. Uma lingerie nova. Uau! Uma noite sensacional. Luz. Escuridão. Luz. Nossa, se der um curto e a cidade ficar às escuras, ficará ainda melhor! Legal! Ricardo pensou em relação a todo esse pisca-pisca. Só não pode faltar luz dentro de casa. Se não mela o filme. Ah, mas a noite romântica não! Ricardo até esqueceu o cansaço do dia e procurou o filme na maior empolgação. Nem notou os olhares furtivos em sua direção por entre as prateleiras de DVD's.

As luzes piscaram novamente. A voz do gerente falando ao microfone que estavam quase fechando o fez lembrar-se do presente da Vanessa. Se chegasse sem ele, ela iria matá-lo e nada de noite romântica. Correu em direção à seção de bichos de pelúcia. Estancou ao vê-los se engalfinhar com caras malignas. Parecia uma briga de canibais. Ao som de sua chegada abrupta, todos giraram lentamente as cabeças em sua direção. Olhos estreitados. Sobrancelhas abaixadas. Sorrisos malignos. Cordas e facas nas mãos.

As luzes apagaram.


Continua...

OlafWhere stories live. Discover now