A vidente

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Quando Júlia tinha por volta de 4 anos, seus pais achavam lindinho demais ela conversando com os amiguinhos imaginários. Começou com um, mas logo eram vários: Antônio, Francisca, Manoel, Teresa, Aparecida, Sebastião. Alguns eram meninos, outros adultos, outros eram até avós.

Essa imagem bonitinha foi dando lugar à preocupação quando Júlia passou dos 9 anos. Seus pais leram alguns artigos que informavam que isso já não deveria ser tão usual.

Levaram-na ao psicólogo, que atestou que a garotinha estava em perfeita saúde mental. Era muito inteligente, esperta, atenta. Não tinha motivos nem para fazer terapia.

Levaram-na ao psiquiatra, ao neurologista. Todos lhe davam laudo perfeitamente saudável. "Ela é excessivamente normal" brincavam os médicos.

Na escola, aconselharam aos pais que apenas acompanhassem seu desenvolvimento em casa. Quanto ao intelecto, na escola, ela desempenhava muito bem.

— Olha, vou confessar-lhes que nem a primeira da turma ela é — disse-lhes a diretora da escola numa reunião. — Uma das melhores da classe sem dúvida, mas não a que tira as maiores notas. Não há realmente nada de anormal com ela.

A mãe, então, sugeriu levá-la a uma vidente.

— Você está brincando, né? — disse o pai.

— Qual o problema? Eu sempre vou com as minhas amigas. A gente adora — respondeu a mãe.

— Sinta-se à vontade de levá-la, mas eu não quero fazer parte disso.

— Não seja bobo. Conheço uma senhora. Faz tempo que não vou, mas ela é ótima e não cobra nada. Faz isso porque tem o dom, ela diz.

— Bem, menos mal. Se ela não cobra, então até eu vou junto — o pai respondeu, causando risos em sua mulher.

Chegando à simples casinha da senhora, havia umas 5 pessoas na fila. O pai ficou imediatamente impaciente.

— Será que vai levar muito tempo? — ele perguntou à mulher.

— Normalmente demora, sim — ela respondeu. — Vá fazer um passeio, eu ligo quando for à próxima da fila.

O marido saiu com passo apressado. Deu uma volta no bairro. Não havia muita coisa de interessante ali, apenas um cemitério. Resolveu entrar. Antes da entrada, no entanto, bem na curva da avenida da Saudade, ocorria um velório. "Não parece ter muita gente" ele pensou. Havia três carros estacionados. Curioso, resolveu dar uma bisbilhotada, mas parou no meio do estacionamento que dava acesso ao velório. Notou que havia em torno de 10 pessoas apenas. Ficou com vergonha, disfarçou um pouco e voltou para a entrada do cemitério.

Era um domingo, assim não eram poucos os túmulos sendo lavados pelas famílias. Havia também algumas pessoas rezando aqui e ali. Um túmulo em particular chamou-lhe a atenção. Parecia uma casinha, com uma foto de uma moça muito bonita e com inúmeros bilhetinhos. "Provavelmente acreditam que ela faz milagres" ele pensou, incrédulo.

O silêncio do cemitério foi quebrado com o toque particular do celular dele. Era sua mulher informando-lhe que eles eram os próximos.

Ele voltou com passo apertado para a casa da senhora vidente. Não ficava muito longe, assim, em mais ou menos 10 minutos estava de volta.

Chegando, havia ainda umas 5 ou 6 pessoas na fila, porém atrás deles. Depois de se sentar do lado de sua mulher e sua filha, esta lhe pergunta:

— Pai, o senhor Sebastião me pediu para te perguntar por que você não entrou no velório. Ele está triste porque poucas pessoas compareceram.

A videnteWhere stories live. Discover now