˖۪ꕥ⃪ׄ১ VII

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Hoje finalmente conheci o anjo que sempre havia pintado

(🥀)

Olhei para o relógio enquanto corria pelas ruas desabitadas. Sabia que estaria fechado, mas também sabia que não importava. Minhas constantes batidas em sua porta por minutos deram resultado, deixando transparecer uma Jamie confusa do outro lado da janela. Com pantufas e totalmente desarrumada ela abriu a porta e me deixou entrar.

- Chan-ah. Você sabe que eu fecho às sete. Não poderia ter vindo mais cedo?

Neguei com a cabeça e comecei a pedir tudo o que precisava. Ela me observou de um jeito estranho, com perguntas presas entre seus lábios das quais não era capaz de botar para fora. Eu sabia qual era, e com um sussurro respondi.

- Tenho alguns wons guardados

Ela me olha com desconfiança, no entanto, começa a procurar por tudo que eu pedi.

Dois minutos mais tarde estou abraçando-a com muita força. Percebe que algo estranho está acontecendo, e quando pergunta eu não respondo. Apenas a abraço com mais força e então beijo sua mão. O próximo segundo estou saindo do local com um "adeus, Jamie" que eu nunca saberei se alcançou seus ouvidos.

Quando chego ao meu apartamento, não perco mais tempo. Minha nova tela é apoiada no cavalete e as pinturas a óleo começam a manchar a madeira, se misturam e quando se juntam criam a cor que dessa vez será a minha pele.

Nunca fui fã de me autorretratar. Mantenho essas pinturas tristes nas caixas mais remotas do meu apartamento, sem jamais deixá-los ver a luz. Desta vez quero demonstrar um outro lado de mim, que embora não seja alegre, tampouco tem o olhar perdido e a dor e melancolia.

Minha pele é ligeiramente mais clara do que a sua. Meus olhos estão mantidos para baixo, voltados para o chão. Sei que não mereço te observar e é por isso que eles se encontram assim. Minha boca está séria, meus lábios são pintados com uma cor rosada que quase me deixa irônico; porque são esses que estão sempre sem cor, à beira da preocupação. Minhas sobrancelhas, no entanto, acrescentam suavidade ao meu rosto, fazendo-o parecer perdido em si mesmo e não com raiva.

Meu cabelo é o mesmo que costumava ser anos atrás. Curto, com pequenas mechas decorando minha testa e marrom. E apesar de pintá-lo um pouco desgrenhado, não consegue se comparar com o meu cabelo no momento. Está sempre despenteado e mal cortado, pois há tempo que sou eu quem faço isso. Há fios soltos em várias partes enquanto em outros está quase nivelado. Começo a sentir-me envergonhado quando percebo que é assim que me apresentei a você, e não consigo entender como isso o cativou para que possa continuar do meu lado.

Quando termino de pintar o rosto, deixo a paleta no chão e vou atrás da minha mais bela criação. Removo a tela da parede e a trago de volta comigo. Como o cavalete não é grande o suficiente para segurar as duas as apoio contra parede; um ao lado do outro.

Te observo e meus olhos estão tão encantados como da primeira vez meses atrás. Sua mão está inacabada e agora é hora de completa-la junto a mim. Começo a pintar meus ombros e é em uma das extremidades que o doce toque de seus dedos descansa placidamente.

Para finalizar, o resto da minha tela eu pinto com laranja, equilibrando a obra e fazendo um contraste quase esquisito. E é quando me afasto e observo as duas telas juntas, complementando-se e unindo-se, que começo a chorar de maneira inconsolável.

Esperei tanto tempo por este momento, meu amor. A lua me dá seu brilho e me observa em cada uma das minhas ações. Observe como após incontáveis ​​minutos pego todos os tubos com óleo que comprei há horas e os destampo um a um diante do espelho da sala. Observe cuidadosamente como eu pego um e começo a despejar seu conteúdo em minha pele e em minhas roupas. É o óleo ocre da sua pele que se funde comigo novamente, você pode sentir?

Minhas mãos estão completamente manchadas e quando o primeiro tubo termina, deixo cair no chão e começo a beijar e lamber meus dedos. E é assim como começo a, literalmente, me intoxicar com a sua pele.

Com os outros tubos eu fui mais direto, coloquei todo o seu conteúdo na minha boca e as ânsias não demoraram em aparecer.

Senti que estava me afogando. Meu organismo pedia a gritos para que eu vomitasse, mas engoli todas as tentativas, piorando a situação. Quando não consegui mais segurar comecei a vomitar descontroladamente no chão do apartamento. Eu continuei sob a luz da lua. Eu continuei engolindo o óleo até que ele parou de me repugnar, até não aguentar mais.

Meus olhos estavam vermelhos de irritação e expulsavam lágrimas que apesar de pousarem na minha boca, eram impossíveis de saborear. A tosse era incontrolavel e depois de cada inalação, se tornava mais difícil voltar a respirar. Tudo ao meu redor estava girando, no entanto quando voltei a me observar pelo espelho foi quando tudo desmoronou.

Meu torso acabou caindo no chão e eu perdi o controle dele. A lua observava como meu corpo se movia abruptamente no chão e como minha mente deixava seu corpo.

No outro segundo eu estava me observando. Meu corpo seguia convulsionando e pude ver, no entanto eu já não estava mais ali. Eu não tinha um corpo agora. Tentei desesperadamente tatear alguma coisa em busca de algo, por um peitoral, por pernas, mas não havia nada para apalpar, porque eu também não tinha mãos.

Era minha alma que havia deixado seu corpo. Este era eu em meu estado mais puro. Havia deixado de ser um pintor malsucedido; Já não era Chan, agora era simplesmente um ser. Debaixo de mim estava meu corpo morrendo e meus próprios olhos observando minha alma. Ao meu redor havia apenas escuridão. Uma escuridão infinita onde de repente eu te encontrei.

Seus olhos brilharam no vazio. Eram duas pequenas esferas quase indivisíveis, mas eu nunca não as notaria. Você foi se aproximando mais e mais de mim até ficar a poucos centímetros do meu ser.

Queria te tocar, queria te beijar, queria fazer tudo ali mesmo, mas não podia. Não tinha nada para sentir. Eu queria dizer que te amava, mas não tinha voz. Tudo que eu tinha era uma consciência que estava me matando ao mesmo tempo em que eu morria de vontade de sentir sua pele contra a minha.

E quando tudo que eu quis foi chorar, você se juntou a mim. Suas enormes asas, tão negras quanto a escuridão que nos invadiu, brilharam para serem notadas, e com elas você me abraçou enquanto minha alma se juntava a você.

Foi nesse momento que realmente fomos um e consegui entender o que eu achava que entendia. Você sempre havia sido eu, e eu sempre havia sido você. O anjo que caiu do céu não era ninguém mais além de mim, e você tem sido minha representação.

Hoje, meu amor, hoje finalmente conheci o anjo que sempre pintei. Hoje terminei de me conhecer.

Meu corpo sobre o piso já está morto, entretanto, jamais havia me sentido tão vivo.

𝐀𝐁𝐎𝐔𝐓 𝐀𝐍 𝐀𝐍𝐆𝐄𝐋 | chanlixWhere stories live. Discover now