3. Felicidade ou desespero

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Aquele vestido fora comprado com as últimas moedas de prata dos meus pais. O salário abundante que eu receberia em retorno pelo serviço compensaria o grande sacrifício.

Se eles soubessem do que realmente estava para acontecer... Coitados.

Esse é meu grande arrependimento.

Meu único arrependimento, aliás.

Eu deveria ter suspeitado logo que cheguei no Palácio Real que havia algo mais rolando do que uma mera reunião de negócios.

Eu me envergonho, mas estava tão entusiasmada que nada mais importava. A corte, aquele local que sempre fora tabu na minha família, estava bem diante de mim. Meus próprios pés tocavam aqueles pisos decorados de mármore, vislumbrando aquelas abóbadas douradas gigantescas, adentrando aquele local exclusivo e tão fora do meu alcance. Eu, uma mera tradutora filha de imigrantes, no centro do coração de Blek Nordmor.

Os preparativos para o baile estavam à toda. Pessoas corriam ao meu redor como loucas — ora carregavam peças de decoração, ora garrafas, bandejas e caixas com mantimentos para alimentar uma multidão. Dançarinos, músicos, até mesmo um pequeno elefante vestido com uma couraça brilhante.

Deslumbrante. Era de tirar o fôlego.

Respirei fundo e alisei compulsivamente a saia do meu vestido, enquanto recebi as instruções de um nobre magricela metido à besta:

— Como intérprete, você já sabe suas obrigações. Apenas transmita o que for falado.

Balancei a cabeça e me esforcei para não vomitar de ansiedade e expectativa.

— Mais importante, em hipótese alguma interaja com os traduzidos, entendido?

Aquilo tudo era tão óbvio. Eram as primeiras coisas que aprendíamos no curso de interpretação. Mas, concordei em silêncio, temendo ofendê-lo e arruinar minha oportunidade.

— Estou falando sério — ele falou, ajustando sua gravata dourada. Repuxou o terno da mesma cor, antes de prosseguir. — Jamais se dirija pessoalmente a nenhum deles. Especialmente... — Apontou um indicador no meu rosto para destacar suas palavras — Sua Majestade de Detryen.

Ao ouvir essas palavras, essas simples palavras, eu já queria morrer logo ali.

De felicidade ou desespero, eu não sei.

Pensei que reveria Abimael, com quem nuca tive muita afinidade, mas que, com certeza, era um pedaço perdido da minha infância. Quando parti, para mim ele era um idoso, embora fosse apenas seis anos mais velho do que eu. Mas depois, durante minha nova vida como camponesa em Bleck Nordmor, até mesmo ele adquirira um significado especial para mim.

Um símbolo de pura nostalgia e inocência.

Havia mais um motivo pelo qual ele significava tanto para mim.

Mas decidi deixar esse tipo de pensamento de lado. Não iria me ajudar em nada.

Então abri o maior sorriso que já abrira em anos. Mal podia acreditar que reveria Abimael! Desculpe... Sua Majestade Rei Abimael. Que estranho encontrá-lo agora como rei! Mas, pensei, preciso me acostumar a demostrar deferência diante dele.

O baile começou.

Quando entrei, acompanhada do Senhor Chatonildo do Terno Dourado, bolhinhas de sabão voavam por todos os lados. Nobres rodopiavam e riam em elaboradas vestimentas. Acrobatas e artistas de todos os tipos. Havia música e brilho e tantas cores que comecei a me sentir tonta tonta. A corte de Blek Nordmor estava definitivamente preparada para receber o novo ano.

Foi só aí que eu o vi.

Segui meu impulso imediato e agarrei o Chatonildo pela gravata enquanto sussurrei entre os dentes:

— Senhor... Achei que tinha dito "Sua Majestade".

Ele respondeu com uma voz esganiçada (provavelmente eu o estava enforcando um pouco):

— Exato.

Quase gritei de desespero:

— Mas aquele não é Sua Majestade! Aquele não é o Rei Abimael!

— Não — ele disse, a voz ainda mais falha. — É o irmão mais novo do Rei Abimael, Deus tenha sua alma.

Eu o soltei e permaneci ali, os braços largados ao lado do meu corpo, paralisada bem no meio do salão. Incapaz de sequer respirar.

Eu não conseguia me mover, por mais que eu quisesse correr.

Só não sabia dizer se era para você ou para bem longe.

Ambos, provavelmente.

Você já estava caminhando na nossa direção quando Chatonildo alisou a gravata e deu alguns pigarros antes de completar:

É Sua Majestade, Rei Avner.

Como se ele precisasse me dizer.

Como se algum dia da minha existência eu fosse capaz de esquecer você. 


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