- Não costumo comer ou beber, mas sua hospitalidade é aprazível. E é sabido que quando um homem oferece chá, ele é confiável. 

- E polvilho. 

- O que disse?

- Chá e biscoito de polvilho. - Aruim empurrou uma tigela parca sobre o balcão de sua venderia¹. Único lugar onde conseguia apoiar a chaleira e as louças de forma confortável. 

1 - Venderia: nome dado aos pequenos comércios de Merlingrado.

Janeiro recusou com polidez. Não estava ali para comer e bebericar. 

- O que o tempo significa para você? 

- Não sei muito bem, afinal. - terminou o gole do chá, o que aparentemente o fez acordar por definitivo. - Existem perguntas que são feitas somente para nos envergonhar, confirmando a ignorância do homem perante as simplicidades da vida... do mundo... Como quando nos perguntam qual é a nossa cor favorita, quando na verdade o conceito de cor nem mesmo existe. Nada mais é que uma percepção visual provocada pela ação de um feixe de fótons em moléculas reflexivas, dando essa "ideia" que nós temos do que é cor. - fez uma breve pausa para um autoesclarecimento - Ou quando nos autoquestionamos "Quem Sou Eu?" e não encontramos resposta, mesmo tendo enfrentado a mesma questão diariamente durante a vida toda... 

- Interessante. 

Caso houvesse alguma dúvida de que Aruim era a pessoa certa, ela não mais existia aos olhos de Janeiro. 

- Agora... tempo, não sei se posso responder. Me desculpe. Se veio até mim para sanar esta dúvida, creio que possa retornar para Seja Lá de Onde Você Veio. 

- Por favor, não me tome pela ignorância de seus iguais, relojoeiro. A resposta dessa pergunta é a essência de meu ser, não sabe-la seria como não saber meu próprio nome. 

Levantando-se, derrubando uma quantidade intrigante de chá e restos de polvilho, Janeiro movimentou o quadril em aquecimento, antevendo a caminhada futura. 

- Então... - Aruim juntou a louça próxima ao seu torninho manual e suas pinças de relojoeiro. Então correu às suas relíquias, relógios que há horas não eram polidos ou espanados. Um absurdo! 

- Peço para que esqueça essas geringonças! 

- Sendo o Senhor do Tempo, como pode chamar meus relógios de geringonças? São o sustento de minha loja! 

- Caso houvesse a irradicação de todas essas invenções inúteis, o tempo ainda assim existiria, com mesma intensidade, voracidade, consumindo, sem misericórdia, o átomo de cada ser vivo e não vivo, engolindo galáxias e parindo éons. Não subjugue o passageiro ao transporte. Não é... - Janeiro encostou seu rosto no de Aruim, mostrando seu par de olhos tão profundos quanto o infinito ou o infinito do próprio infinito... - LÓGICO. 

Sem mais nenhuma reclamação, o jovem relojoeiro seguiu o homem até a rua frontal, Clock Certo, por onde caminharam, quietos, durante horas, rodeando uma enorme sequoia de raízes emaranhadas.  

- Uhnn. A rua é de paralelepípedos... Ótimo. 

Janeiro se ateve a analisar a grande árvore, como se contasse suas raízes ou se as medisse, procurando algum ponto em especial. 

O Sol acordava aos poucos, tal como as pessoas. 

- Tem unhas grandes? Dedos firmes? 

- Conserto relógios de portes variados: já estirei cordas e carreguei engrenagens do relógio de Abraj Al Bait Towers e já apliquei parafusos milimétricos nos menores relógios do mundo. Sou hábil, forte e preciso com as mãos. 

O Emissário do Tempoحيث تعيش القصص. اكتشف الآن