Desencontros

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O sino tocou uma primeira vez, lentamente. O som ecoou por toda a Montemor. Afonso estava no jardim, colhendo flores, eram as prediletas da mãe, havia, em sua cabeça infantil, pensado que talvez elas a ajudassem a melhorar quando o som o despertou. Mas não poderia ser, Deus já havia levado seu pai antes da hora, sendo assim, ele a pouparia, não pouparia? Por que Deus tomaria tanto de uma só vez? O segundo toque fez com que ele saísse correndo pelos jardins e entrasse às pressas no castelo, seguindo sem freio em direção ao quarto da mãe, o terceiro foi, em retrospectiva, uma dor menor do que as flechadas que havia levado lutando. Ele parou na porta, havia uma confusão de pessoas, entre elas viu brevemente sua vó com a expressão dura ao lado da cama, assim como algo da veste de um dos homens que havia sido chamado para tratar da princesa.

-Príncipe, Afonso. -Uma voz disse pegando-o pelo braço. - Venha, não deve ficar aqui. Sei que está triste, mas..

"Rodolfo" a mente de Afonso disparou. Onde estava Rodolfo? Ele entregou as flores na mão da mulher em sua frente e pediu para que elas fossem colocadas no vaso ao lado da cama da mãe. Afonso sabia que o corpo não ficaria ali por muito tempo, seria lavado, preparado, velado e então posto para descansar junto ao corpo do príncipe de Montemor, mas ele era o futuro rei e não podia pensar naquilo agora, ele era o irmão mais velho, tinha que cuidar do irmão. Era seu dever.

Rodolfo havia ouvido os sinos. Ele também sabia o que eles significavam. Haviam ouvido há tão pouco tempo, seria impossível esquecer. Afonso caminhou até as ruínas da torre ao lado do castelo, era o lugar predileto do irmão, ele dizia que se fosse rei mandaria refazer aquele lugar, havia sido destruído em uma batalha há mais de 200 anos, representava a luta daqueles que morreram ali, as ruínas eram um lembrete, a memória de alguma forma viva. Na época Afonso pensou que Rodolfo era novo demais para entender aquilo, mas anos depois o irmão tinha aprendido muito pouco sobre olhar para o passado e não repetir erros.

Ali estava ele. Mal vestido, sujo, jogado na cela imunda. Afonso notou a comida no chão, eles eram tratados com pouca humanidade, no entanto, diferente das outras celas, havia apenas mais um prisioneiro junto a Rodolfo. Um senhor que parecia ter dificuldade de caminhar e nem mesmo se moveu quando o guarda bateu na grade e chamou pelo nome de Rodolfo. Afonso ordenou que a porta fosse aberta e então entrou para falar com o irmão, ainda não sabia o que fazer com ele, todo o caminho até ali não havia sido suficiente, em parte porque ele não parava de pensar em Catarina e em como ela poderia estar carregando seu filho no ventre. A sensação de orgulho parecia destoante com a realidade, havia certa vergonha do desejo em meio ao caos e ainda da própria ideia do que aquilo representava para o reino.

-A que devo a honra da visita do rei de Montemor e Artena? - Rodolfo perguntou fazendo uma reverência exagerada e que combinava com seu tom de desdém e desespero. -Eu o convidaria para sentar, majestade, oferecia um vinho, mas meus servos deixam a desejar.

-Você vai ser executado em dois dias. - Afonso disse rigorosamente. A frase fez com que a expressão de Rodolfo mudasse. Ele estava sem paciência para as brincadeiras do irmão, talvez todos devessem ter perdido essa paciência ainda enquanto Rodolfo era um garoto, um pouco de disciplina o teria dado algum bom senso.

-E você veio se despedir?

-Talvez. Eu vim fazer uma proposta. Você espalhou que Catarina contratou mercenários, concorde em vir comigo para a conselho e desminta essa história e eu vou garantir que sua dívida seja quitada.

-E o que quer que eu faça depois? Peça esmolas pelas ruas? Eu já me acostumei com a ideia de perder a cabeça, sinto que os muros de Nissa nunca tiveram um corpo tão bonito enfeitando-o por um tempo.

-Seu filho vai nascer em pouco tempo. Vou permitir que o conheça, vou permitir que tenha lugar em algum reino próximo, uma posição em alguma medida. Essa é minha oferta. - Afonso disse deixando a cela. - E você precisa se decidir agora mesmo, meu irmão.

Uma união políticaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora