Coração de Metal - 1

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Deitado em uma cela com grades prateadas, uma jovem coruja-de-igreja (Tyto Alba) estava dormindo em cima de um monte de palha quando é acordada por uma voz estridente de uma coruja-do-nabal (Asio Flammeus) gritando do fundo do corredor:

- Acordem suas preguiçosas! É hora de trabalhar! 

A coruja-de-igreja levanta da dura cama de palha que localizava-se no chão duro de seu "quarto", que não era nada mais que um buraco em uma parede de pedra com grades como porta. Enquanto espreguiçava-se, a jovem coruja assistia os morcegos abrirem as celas e afastarem-se.

A vida de Soren sempre fora uma rotina eterna, imperturbável e metódica. Acordar com o som de Lukka, o guardião do abismo em que vivia, tomar café da manhã no refeitório com as outras corujas (normalmente pão ou grilos), trabalhar, almoçar, trabalhar, jantar, dormir e, na manhã seguinte, fazer tudo de novo.

Ele trabalha como um ferreiro criando desde armas de batalha até utensílios de cozinha; também como um curandeiro, um guerreiro e um chocador. Todos deviam trabalhar no Abismo para comerem, sendo que isso é muito pouco. Os poucos que recusaram-se a trabalhar, pelo que Soren notara, nunca retornavam para suas celas - que eram preenchidas por outros prisioneiros.

- Rápido, rápido! Não temos o dia todo! - Reclamou Lukka enquanto as corujas saiam de suas celas e começavam a formar uma fila em frente á ele.

Após estarem todos em fila, Lukka caminha em direção ao refeitório sendo seguido pela fila de corujas. Não demorara muito e chegaram juntos com outra fila de corujas liderada por Jiska, uma coruja-buraqueira. Como todas as manhãs, eles sentam-se nos lugares marcados.

O refeitório era grande, com dois andares, com cerca de 20 messas de metal com 20 lugares cada e, da mesma forma que as celas, era feita de pedra. Cada Abismo, como eram chamados os longos corredores de celas que acabavam em uma parede, possuíam 20 corujas cada e cada um possuía a sua própria mesa, numero e guardião.

Soren é a coruja 9-12, ou seja: a Coruja-9 do Abismo-12. Não são permitidos á terem nome, afirmando que "Nomes são para corujas livres", mas isso nunca impediu que Kali desse um nome para Soren. Kali era uma corujinha-do-sul (Megascops sanctaecatarinae) e fora uma chocadeira, responsável por chocar os ovos que eram trazidos para S. Aegolius, a Prisão para Corujas Criminosas. 

Ela chocara o ovo de Soren e, desde então, começou a cria-lo como se fosse seu próprio filho - não somente ele, mas várias corujinhas foram nomeadas por ela e receberam seu amor materno que muitas vezes era desconhecido para as corujas de S. Aegolius. 

Mas, infelizmente, ela teve o mesmo destino de todas as corujas bondosas dessa prisão: a morte.Não somente ela, mas também todos as corujas que Soren chamava de família. Todos eles eram do Abismo 12, mas, agora, Soren é o único restante e, consequentemente, o mais "velho". 

Ele passara sua vida inteira em S. Aegolius como a Coruja 12-9, por isso as histórias que as outras corujas do abismo pareciam surreais para ele. Ventos que congelam assas; Piruetas no céu; Lua e estrelas - uma esfera de luz a noite, não tão brilhante quanto o sol, mas prateada e acompanhada por outras minusculas que formavam desenhos no céu.

A Coruja 19-20, sendo seu nome verdadeiro Nominus, é uma coruja-de-crista (Lophostrix cristata) que estava ali antes de Soren chocar e sempre conta histórias sobre sua infância e do tempo em que voava pelos ares com seus irmãos. Ele fora capturado aos 34 anos de idade, naquele tempo seus ovos recém haviam chocados e ele fora caçar alimento para a família, mas os guardas de S. Aegolius o capturaram. 

Ele, agora com seus 78 anos, ainda tinha esperanças de ver seus filhos - que já deviam estar adultos e com suas próprias famílias. Agora seu trabalho, como não pode fazer muito esforço físico, é cuidar dos ovos recém chocados e das corujinhas muito jovens. Quando uma coruja nascida na prisão, chamadas de corujas-de-cela em S. Aegolius, completa 13 anos, ela é selecionada para seu abismo e seu trabalho. Antes disso, quando ainda estão na creche, elas são chamadas de Corujas 0.

Enquanto as corujas do abismo 1 começavam a servir-se, Soren olhou ao redor de sua mesa. Haviam, ao todo, 15 corujas no abismo 12 - não contando Lukka. Soren realmente não falara muito com elas, a conversa não era necessariamente proibida, mas eles conversariam sobre o que? Seus trabalhos forçados? A comida rasa? As feridas que ganharam dos supervisores?

Com esses pensamentos, Soren começa a pensar sobre o que Nominus contara certa vez sobre os estilos de roupas de sua juventude e comparando-os com os atuais de antes de ser preso, de como as cores ficaram mais vibrantes e as roupas mais curtas. Estilo, se Soren conseguia lembrar-se, era a palavra que ele usou para descrever os tipos de roupas.

- Eu sempre fui do estilo mais descolado na juventude. Roupas de couro e pretas, principalmente calças largas e pulseiras prateadas. Minha esposa, Fear, por outro lado, era do estilo "princesinha" com suas cores claras. - Nominus disse. - Ah, como o tempo muda. Antes de ser preso, eu e ela tínhamos o estilo mais sério, já que íamos ser pais. 

Soren olha para suas roupas: uma blusa preta, uma calça preta e no seu tornozelo estava uma tornozeleira com seu "nome", 9-12, forjado em ferro - ou, como Nominus gostava de chamar essas tornozeleiras, "o peso do nome" por causa do peso delas. Muitos retiram elas para certos trabalhos, como Soren faz quando trabalha como ferreiro para que ela não aqueça demais e queime sua perna.

- Ei, 9-12! Venha cá! - Uma coruja usando um uniforme vermelho chama. 


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⏰ Last updated: Sep 07, 2020 ⏰

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