uné.

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(a dor é inconfundível)

Ele sabia que não.

Mesmo que por maioria de todos os seus sonhos fossem loucos, sendo ele próprio um exemplo no mundo, ele sabia. Sabia de alguma coisa, apesar de não saber exatamente o quê. Mas ele sabia.

E ele se encontrou com um pouco de breu eterno, a luz diminuindo pela quarta vez naquela semana. De novo.

Se viu acordando de repente. Não disparou para cima, como na última vez em que despertou, o coração rasgando seu peito feito uma bomba cardio-crônica. Apenas sentiu os olhos abrindo, segundos se rasgando em vez dos pulmões, enquanto o teto mofado tomava sua visão junto com parte da escuridão de antes.

Ele não diria que foi um sentimento leve, assim que o choque de um despertar de outro dia se arrastou pelo seu corpo. Foi apenas como uma ardência latejante, fogo subindo pela pele, queimando em um incêndio alarmante. 

O mesmo sentimento que há um tempo vinha aparecendo subitamente, de vez em quando partindo dos sonhos. Os estranhos pesadelos. Ele engoliu em seco quando piscou algumas vezes, despertando de uma vez, em um momento de confusão que achou que nunca terminaria. Não queria pensar nisso.

— Ah, porra... — forçou as palavras. Tossiu, violento. Eram suas palavras de boas-vindas.

Quando piscou pela quinta vez, um movimento que ia sem parar, sentindo que não podia se controlar naquele instante, as vozes do sonho dispararam pela sua cabeça. Uma corrida de carros de corrida indo direto para um acidente. Eram esganiçares horríveis, a dor fluindo da garganta das pessoas.

O som de chamas queimando multidões.

Isso foi o suficiente para fazê-lo se sentar no sofá, um móvel velho de gerações no meio de um cômodo vazio e lotado de caixas. Seu corpo tremia, sob o mesmo efeito da ardência, um pouco menor do que no momento em que acordou. Se sentia de ressaca, e ele provavelmente estava. Bebeu para esquecer do Inferno que vivia. 

Para acordar de um sono vazio; sem sonhos, e sem emoções.

— Ah, porra — ele repetiu, dessa vez meio que instável. Outro dia estava desperto.

Ele esfregou o rosto. Por um instante, se via como uma daquelas pessoas azaradas, que salpicavam diante do incêndio. Se via mais do que ardendo tão violentamente. Como se seus olhos mergulhassem no calor, levantando as ondas, matando por natureza. 

E esse pensamento nem nasceu dos pesadelos. Já existia bem antes dele sonhar em algo semelhante. Não era à toa que visitava um psicólogo semana a semana e consultava um psiquiatra a cada seis meses. 

Desde os dez anos, lidava com pensamentos homicidas. Pensar naquilo era mais recorrente do que pensar em suicídio, e isso nunca mudava. Ele olhou para uma garrafa de cerveja, abandonada ao pé do sofá, perto dos seus. Fingiu que seu corpo não latejava no que dessa vez foi somente dormência, e esperou um pouco. Ele não sabia pelo quê.

Talvez por uma esperança, ele pensou. 

Suspirou. 

O ar saiu ziguezagueante, correndo e brincando pelas cordas da sua garganta, arrastando anseio e palavras presas para trás. Queria mesmo dizer alguma coisa para um alguém, um tipo de confissão. Também quis rir, ironizar o que para ele era uma piada.

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⏰ Last updated: Jun 04, 2019 ⏰

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