Consultório

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O aquecedor ligado fazia a garganta de Caroline coçar, mas ela não reclamou. Não era a única coisa que a incomodava naquela sala hermeticamente limpa e esterilizada.

Na verdade ela poderia fazer uma lista, desde as paredes brancas e cortinas meio amareladas, aos móveis monótonos todos de cores claras para trazer a sensação de "paz" aos pacientes.
Até o ar parecia sem vida naquela sala, mas o que mais a incomodava era a Dr. Pamela, a psiquiatra que deveria cuidar de sua mente.

A menina foi tirada de seus devaneios quando ouviu o "click" do gravador de Pamela. Algo que ela considerava ser puramente teatral e desnecessário, um smartphone poderia gravar tudo sem a necessidade de fitas e daquele barulhinho irritante.

— Três de março de dois mil e dezesseis, terça feira, oito e quinze da manhã. Caso trezentos e trinta e três, a paciente Caroline Rodríguez, paciente de doze anos, acometida de distúrbios de personalidade, indícios de esquizofrenia, e estresse pós-traumático, chegou aqui há exatamente cinco meses. Ela afirma ter trocado de corpo com outra pessoa, e segundo ela, nunca esteve na ponte onde sua família a encontrou prestes a se suicidar após um acidente provocado em sua escola.

Houve uma pausa na voz da mulher, os únicos sons que se escutava na sala eram os da perna de Caroline que insistia em bater na madeira do sofá, e também de sua respiração farfalhante, muito provavelmente por conta do aquecedor.
Talvez em alguma gaveta enterrada no meio da bagunça organizada daquele consultório, se encontraria uma ficha, onde diria sobre a alergia da garota a tal equipamento.

Pamela, uma mulher nos seus cinquenta anos, porém elegante e esbelta, não era o sinônimo de pessoa calorosa. Escolhera a sua profissão por pressão de seus pais e simplesmente detestava o que fazia. Por ela, colocaria uma camisa de força e trancaria a garota pequena a sua frente pelo resto da vida. Porém após um longo suspiro, resolveu voltar a falar e cortar certas formalidades que seriam exigidas mais tarde.

— Como se sente hoje Caroline? Talvez tenha lembrado de mais alguma coisa, ou vamos tentar desde o início outra vez?

Ela esperou com certa impaciência até a garota balançar a cabeça de um lado para o outro. O que ela já sabia que aconteceria, e prosseguiu em um tom baixo e frio.

— Muito bem, conte-me mais sobre a sua amiga imaginaria, a Enilorak.

Caroline por sua vez, sentiu uma espécie de fúria quando a doutora mencionou o nome Enilorak, principalmente quando insinuou que ela fosse fruto de sua imaginação. Para ela, existiam diferenças notáveis entre uma amiga imaginária e Enilorak.
Se ela fosse uma amiga imaginária então ambas poderiam se encontrar sempre que desejassem, e não apenas em sonhos, e não haveriam tantas regras de convivência.

Com a voz baixa Carol respondeu um tanto quanto insegura e sem olhar nos olhos da doutora.

— Por onde devo começar?

A voz de criança quase comoveu o coração da Dr. Pamela, não fosse pelo fato de que odiava crianças ela poderia sentir alguma empatia com a menina de cabelos castanhos sem graça.

— Comece pelo início, qual foi a primeira vez em que a viu? Lembra-se?

A menina não tinha certeza ao certo da primeira vez em que a tinha visto, na verdade tinha a sensação de que a vira desde sempre em seus sonhos, desde quando ainda era um bebê de colo, mas resolveu contar a sua memória mais fixa.

— Foi em um sonho. — "Como em todas as outras vezes em que a vi". Pensou Caroline, porém não disse isso. — Eu deveria ter uns cinco anos, no meu sonho eu brincava com uma garota um pouco mais velha que eu.

— E como ela era?

Nesse momento todos os sinais de alerta de Caroline estavam acesos, existiam coisas sobre a aparência de Enilorak que ela não poderia contar. Coisas como, apesar da garota ser alguns anos mais velha, e com exceção de algumas coisas, era a copia fiel da própria Caroline.

O Reino de Lorac (Completo)Where stories live. Discover now