— Se nós nos conhecemos bem? A peste da Laura é minha prima!
Quando a porta do quarto fechou atrás de mim, fui direto até onde estava o vulto adormecido de Laura, e pulei em cima dela:
— Sua peste, sua cachorra, sua filha da mãe!
Laura acordou assustada, sem conseguir evitar os tabefes que estava recebendo.
— Ai, pára! Pára com isso!
— Sua desgraçada, miserável, imbecil!
— Ai, ai, ai! Pare, Milena, pare!... Você está me machucando! E se pegarem a gente brigando, vai ter castigo!
Parei de estapear a Laura e respirei fundo, tentando me controlar.
— Como assim, castigo?
Apesar de querer ser jornalista, o que significava fazer da palavra o meu ganha-pão, eu tinha perfeita consciência de que uma imagem poderia valer por mil delas. E a Laura também. Ela me respondeu simplesmente levantando a blusa e mostrando as costas, um aterrador emaranhado de marcas de uma surra violenta e recente.
A visão das costas da Laura fez com que eu segurasse minha língua. Eu nunca tinha visto o resultado de uma surra para valer antes. Fiquei chocada com os detalhes. Desconfiei até que um ou dois dos vergões vermelhos deixariam cicatrizes. Abaixei a blusa da minha prima com delicadeza e permaneci calada.
Laura perguntou:
— Está horrível, não está?
— Não... nem tanto, Laura. Vai ficar tudo bem — respondi, sem querer que ela ficasse impressionada com os machucados. — O que foi isso?
— Um castigo.
— E o que você fez para merecer esse castigo?
— Eu tentei fugir, e levei uma surra! Uma surra... Milena, meus pais nunca encostaram um dedo em mim!
Os soluços começaram a sacudir seu corpo. Como eu, a Laura também não era de chorar, e senti a minha própria raiva se transformar em compaixão.
— Laura, o que está acontecendo aqui?
Ela enxugou os olhos e sentou de frente para mim.
— A história é longa.
— Pelo jeito, tempo é o que não falta. Vamos começar do começo. Que lugar é esse?
— Vila Feliz. Para o mundo lá fora, isso é uma espécie de lar para meninas órfãs.
— Um orfanato?
— Mais ou menos. Pelo que eu pude entender, aqui não existem adoções. É mais como uma espécie de lar de caridade, para meninas órfãs ou abandonadas. As pessoas pensam que aqui dentro as meninas estudam e aprendem coisas que poderão ser úteis para arrumar um emprego, como por exemplo, costurar. Mas é tudo mentira! Elas não estudam, e são obrigadas a trabalhar o dia inteiro nas plantações de Dona Malvina.
— Plantações?
Laura confirmou.
— E o que plantam aqui, Laura?
Imaginava que como boa jornalista (e Laura era uma boa jornalista, não importava a minha opinião pessoal sobre o assunto) minha prima já teria xeretado tudo. Eu estava certa.
— Bem, até onde eu consegui descobrir, plantam café e tabaco e, talvez, ainda não tenho certeza, coisa pior.
Eu pisquei, tentando absorver as informações:
— Como é que é?
— Exatamente o que você ouviu. E o que você pensou.
— Bem, ninguém pode acusar essa Dona Malvina de monocultura. E a tal da Gabriela, onde entra nessa história?
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A Guerra da Notícia
AdventureDepois de lutar para ser a editora do jornal do Colégio Santa Sophia, Milena vê sua conquista ir por água abaixo, quando sua prima Laura resolve retomar a disputa. "A Guerra da Notícia" foi escrito para ser a segunda aventura da turma do Primeira Pá...
Dormindo com o inimigo
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