"Asas cortadas, eu era uma coisa quebrada
Eu tinha voz, mas não conseguia cantar
(...)
Eu luto para voar agora.
(...)
Eu grito como um pássaro livre."
Birds set free - SiaNAYARA
O que poucos sabiam era que, por trás das cortinas do circo, o encanto sumia. A postura confiante e o sorriso aberto também eram guardados para a próxima encenação e a vida normal voltava, medíocre e ordinária.
— Nayara!
— O que foi? — Respondi, seca.
— Nayara, você não vai acreditar! Alguém vomitou perto dos trailers, ninguém merece dormir perto daquela imundície. Até parece que somos porcos! — Andy, uma das dançarinas, acompanhava meus passos ligeiros em direção ao camarim.
— E o que eu tenho a ver com isso, Andy? — Não olhei para ela.
Andy era uma ratazana procurando o queijo dos outros.
— Odete mandou eu pedir para você limpar, já que seu número já encerrou por hoje — disse, com superioridade.
Era obvio que a tarefa seria minha, não sei porque me dei o direito de sonhar.
Eu não respondi. Entrei no camarim vazio para tirar o maiô e enfaixar meus punhos com a gaze. Enquanto retirava a maquiagem do rosto, um grupo entrou alegre na sala, rindo e gritando.
Eu não suportava aquela felicidade. Comecei a tirar a pintura do rosto com violência. O pior é que limpar vomito não estava nem no top dez de coisas mais difíceis que eu já precisei fazer.
E eu fazia, calada, porque conhecia as consequências de desobedecer Odete.
Minha madrasta botava medo até mesmo no demônio.
Então eu fiz meu serviço. Limpei o chão de concreto com um balde, calada, interrompendo cada palavrão que subia à garganta com a força do ódio.
Quando eu terminei, o espetáculo já estava no fim e as últimas pessoas deixavam o circo. Era uma questão de tempo até todo mundo se reunir e festejar os lucros da noite. Eu nunca participava. Por falta de convite, sim, mas também porque preferia estar à espreita, dentro do trailer, esperando que todos fossem dormir.
Meu lugar era onde todo mundo jogava suas tralhas, mas eu não me importava, tinha a privacidade que precisava para não enlouquecer. Se fosse obrigada a dividir uma lata de sardinhas como essa com algum daqueles babacas presunçosos, cometeria um assassinato. Eu já tinha que suportar eles durante as apresentações e era o bastante.
Eu era excluída, mas fazia questão de ser. Os treinos coletivos eram meu inferno de infância. Hoje em dia, quando a última porta do último trailer se fecha, é minha hora de treinar. Sem gente para atrapalhar, sem comentários idiotas ou cochichos maldosos. Apenas eu, sozinha no palco parcialmente escuro. Há anos faço assim.
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Deixa Queimar (Degustação)
RomanceNayara Sánchez achava que morreria no circo. Tratada pior que os animais, a mulher sonhava em um dia conquistar sua liberdade e fugir daquele inferno. A vida parece lhe ouvir quando, em uma noite, o circo pega fogo e Nayara se vê presa entre as cham...