Capítulo 69

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CAPÍTULO 69

Por fim, conseguiram apenas a ajuda de Kandel e de um feiticeiro, a quem chamavam ‘o grande Ector’. Encontraram-se no arsenal; à primeira vista, Kyle não reconheceu o rapaz.

– Oi, Kyle, como está? – disse o jovem, quase tão alto quanto Gorum, porém magro.

– Eu o conheço? – retrucou Kyle, franzindo a testa.

– Não se lembra de mim? Sou Ector. Estudei com Kiorina, na Alta Escola.

– Ector? Como você cresceu, praticamente dobrou de tamanho! – disse Kyle, finalmente se lembrando.

– É, uma vez disseram que eu seria grande, mas não imaginei que seria em sentido literal...

– Quantos anos você tem, garoto? – quis saber Gorum.

– Tenho dezesseis. Acha que não posso ajudá-los? Acha que sou criança, ainda? – disse Ector, acelerando a fala.

– Não... não duvido de suas capacidades como mago, apenas acho que você tem que se preparar para ser maior ainda... Quando tinha sua idade, eu era mais baixo que você. – sorriu Gorum.

– Ah, claro, mas ainda não perdi as esperanças de ser reconhecido como um grande mago, em vez de um mago grande.

Gorum riu e todos o acompanharam.

– Gostei do seu senso de humor, garoto.

– Vocês estão indo ajudar Kiorina, não é? Pois, estou nessa!

– Você sempre fala rápido assim? – quis saber Kyle.

– Depois que descobri que ter uma língua veloz ajuda a fazer magias mais rapidamente, é uma característica que faço questão de treinar. – respondeu Ector, muito veloz.

Após a conversa, Kyle, Gorum e Kandel escolheram armaduras e espadas; Archibald não pegou nada, além de seu martelo de batalha; Mishtra pegou uma aljava cheia de flechas, o arco que já carregava e uma espada curta; Noran apenas se concentrava, pois sua arma era sua mente.

Nasbit arranjou uma carroça coberta, para que pudessem sair da cidade sem chamar a atenção. Tão logo saíram, a carroça entrou numa pequena trilha, que ia para dentro de um bosque. Apenas lá desceram e se equiparam. O cocheiro disse que esperaria somente até o início da noite e então retornaria.

O dia estava mais quente, um sinal de que o inverno terminava. Seguiram através do bosque até encontrar novamente a estrada norte, construída havia cerca de cem anos. Ao olhar aquela linha de blocos de pedras justapostas que se estendia além do horizonte, Archibald imaginou o esforço necessário para realizar uma obra assim. Pensou que mão-de-obra não devia ser um grande problema naquela época, pois era vigente a escravidão. Enquanto esperavam a vinda de Kiorina, Archibald tentou imaginar como havia sido aquele tempo. Homens de todo tipo, incluindo silfos do mar, trabalhando como escravos em obras assim. Claro que os silfos que foram escravos em Lacoresh agora gozavam de liberdade nos arquipélagos e alguns deles possuíam escravos humanos trabalhando em suas plantações e em seus navios. Uma vez leu que um escravo silfo valia de cinco a dez vezes mais que escravos humanos, o que levava alguns silfos a venderem os próprios compatriotas de clãs rivais. Mesmo assim, poucos senhores de escravos enfrentavam o problema de possuir escravos sílficos. Após a abolição da escravatura, os silfos que não quiseram retornar a seus lares foram expulsos de Lacoresh. Archibald pensava tanto nos silfos por amar uma silfa; além disso, tinha dificuldade em entender a má fama dos silfos do mar. Será que isso não era apenas um mal-entendido? Lembrou-se então da história que Radishi havia contado sobre os bestiais, uma raça antes pacífica e que teve sua cultura destruída pelos homens e suas guerras. Será que os silfos do mar eram mesmo maus e desprezíveis como se comentava? Por que eles seriam tão diferentes dos silfos de Shind? Parou de pensar naquelas questões todas e procurou voltar sua atenção para a emboscada que planejavam.

Procurava Mishtra com o olhar, mas ela estava bem escondida. Havia atravessado a estrada para seu lado esquerdo, posicionado-se para um ataque de dois flancos. Kandel e Ector também estavam na margem esquerda da estrada; Noran estava mais à frente, procurando com a mente alguma indicação da aproximação de Kiorina. De repente, ele se levantou e, um tanto alarmado, enviou pensamentos a seus companheiros. "Escutem atentamente. Estou-me comunicando com todos vocês, exceto Kandel. Os necromantes sabem que estamos aqui, e acredito que seja através dele. Ao que parece, Kandel não sabe que é um delator. Deve haver um dispositivo mágico por trás disso. Ector, você pode verificar se há alguma influência mágica sobre Kandel? Por favor, não responda em voz alta, apenas pense."

Logo depois, Ector sussurrou algumas palavras mágicas e olhou para Kandel, alguns passos à sua frente, e pensou: "Não sei se você está me ouvindo, mas realmente existe uma influência mágica na cabeça de Kandel. Algum tipo de sonda."

"Confirmado! Há uma sonda mágica na cabeça de Kandel. É importante que ninguém comente sobre isso, pois estaríamos entregando a eles a informação de que sabemos da emboscada. Quem quiser falar, apenas pense e eu passarei a informação para os demais." – transmitiu Noran, que, no momento seguinte, captou um monte de pensamentos misturados. Utilizando-se de grande perícia, foi capaz de filtrar as informações importantes, e continuou: "Acalmem-se. Escutem mais algumas informações, depois decidimos o que fazer. Vindo da direção de Kamanesh, junto com a carroça em que Kiorina se encontra, estão alguns cavaleiros, um necromante e duas dúzias de soldados, todos equipados com bestas. Está vindo um outro grupo de Lacoresh, que ainda não está perto o suficiente para que eu ter condição de dar alguma informação. Fechem os olhos, vou tentar incrementar a ligação entre nós, para que possamos ouvir uns aos outros diretamente.

"Não podemos enfrentá-los." – pensou Gorum, e todos escutaram seus pensamentos.

"Temos que nos retirar, não teremos chance." – concordou Ector.

"Esperem, não teremos outra oportunidade assim. Se desistirmos, perderemos Kiorina para sempre." – interferiu Kyle.

"Muito bem, alguma idéia?" – perguntou Archibald.

"Eles devem estar armando a emboscada de acordo com nossa posição atual. Para eles, deve ser importante atacar-nos pela frente e pela retaguarda." – sugeriu Gorum.

"Então podemos avançar, encontrá-los mais rápido. Se vencermos, teremos como escapar, antes que o grupo que vem pela retaguarda chegue." – disse Kyle, completando o raciocínio de Gorum.

"Isso pode funcionar." – concordou Noran.

"E quanto a Kandel?" – indagou Ector.

"Ele pode pôr tudo a perder. Devemos eliminá-lo?" – questionou Mishtra.

"Não, ele é inocente! Acho que uma ilusão dentro de sua mente pode resolver tudo." – retrucou Noran.

"Como assim?" – todos pensaram ao mesmo tempo.

"Deixem comigo. Vamos usar a sonda deles a nosso favor. Nós sairemos e cuidarei para que, em sua mente, fique a impressão de que ainda estamos aqui, nos preparando para fazer a emboscada." – disse Noran.

"Isso é possível?" – perguntou Ector, curioso.

"Sim e é bem mais fácil que manter uma conversação de duas vias com todos vocês. Quando eu der o sinal, vamos sair de nossas posições e avançar. Se tudo funcionar, talvez possamos realmente pegá-los de surpresa."

Olhos NegrosWhere stories live. Discover now