Capítulo 30

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CAPÍTULO 30

Kiorina começava a ficar apreensiva. Já passava da hora de almoço e Mishtra ainda não havia aparecido. Noran não acordava, e ela não o deixaria ali, indefeso. A única coisa que podia fazer era esperar que Mishtra retornasse. Mas e se ela não pudesse retornar por algum motivo? O que faria? Se não bastasse a preocupação, sentia muita fome. Por que a silfa não tentou explicar aonde estaria durante toda a manhã?

Já tentara dezenas de vezes realizar o encanto de comunicação que havia visto em um dos tomos da Alta Escola dos Magos para contatá-la. Além de tentar o procedimento pronto, que nunca aprendera, tentou a técnica do improviso; tudo sem sucesso. A magia, apesar de ser capaz de realizar muitos feitos, era extremamente complicada e havia a necessidade de dominar uma série de pequenas correntes de energia derivadas da energia maior, que tudo constitui e tudo cerca. Para fazer o mais simples dos encantos, o mago precisa, através de muita concentração, fazer as energias que estão em si e no meio correrem em um fluxo determinado e moldá-las para conseguir o efeito desejado. O caso é que existem mais de doze tipos de energias básicas, que, ao serem combinadas, produzem efeitos diferenciados. Dessas muitas formas de energia, Kiorina conseguia algum sucesso em apenas três, o que não era pouco, pois dificilmente um mago, no final de sua vida, era capaz de dominar todas as energias. Quando, porém, isso acontecia, o mago tornava-se capaz de criar novos feitiços ou mesmo realizar efeitos consagrados sem a necessidade de gestos e palavras, que são, segundo os grandes mestres, meros facilitadores das realizações mágicas. Parte da arte de controlar essas energias fora comparada pelos mestres à coordenação necessária não só para tocar certos instrumentos musicais, mas também criar músicas de valor.

Kiorina pensava em toda aquela teoria da magia e se arrependia por ter prestado tão pouca atenção às aulas teóricas, preocupando-se apenas com a prática, pois de nada adiantava saber que a energia que gerava o movimento era componente das magias de comunicação e conexão, se não conseguia formular nada mais além disso.

Mesmo com toda a frustração, resolveu tentar mais uma vez. Levantou-se e concentrou longamente, pelo menos três vezes mais tempo que levaria para realizar um efeito que dominava. Algo bateu no chão de madeira e quebrou sua concentração. Viu uma pedra rolando. Assustou-se com aquilo e olhou para os lados. Atravessando a janela, viu mais uma pedra entrar no quarto, fazendo um barulho parecido ao que a anterior fizera. Caminhou até a janela, olhou a rua e viu que Mishtra estava lá embaixo.

– Mishtra!

A silfa respondeu com um olhar de reprovação e fez um gesto para que ela ficasse em silêncio, colocando o dedo indicador sobre os lábios. Tinha uma trouxa nas mãos. Fez menção de arremessá-la; Kiorina assustou-se, mas logo entendeu que ela só a estava prevenindo para o que iria fazer. Antes porém deu uma boa olhada em seu redor e viu que as poucas pessoas que passavam por ali não estavam prestando muita atenção nelas. Segurou a trouxa por sua ponta amarrada e fez um movimento de pêndulo, como que medindo a força que faria. Finalmente fez um sinal com a cabeça e arremessou a trouxa. O pacote descreveu um movimento perfeito até a janela e chegou suavemente às mãos de Kiorina, que, após desamarrar o nó, viu frutas e um odre. Colocou a trouxa sobre o chão e voltou à janela.

– Escute aqui, Mish...

Veio uma nova onda de frustração, pois já não podia avistar a silfa, que se aproveitara daquele breve instante para sumir, sem deixar traços. Decidiu que era melhor fechar a janela agora, já que não tentaria o encanto da comunicação novamente. Pegou as frutas e comeu algumas pequenas, rapidamente. Despejou um pouco do chá que Mishtra havia preparado em uma cuia rasa e, usando um encanto, o aqueceu. Cuidadosamente pegou a cuia e sentou-se na cama de Noran. Levantando sua cabeça, colocou o chá em sua boca, esperando alguma reação, que, para sua surpresa, aconteceu: ele fez uma careta de desgosto e tossiu fortemente. Por fim, Noran olhou nos olhos de Kiorina com um olhar apertado, como quem ainda não enxerga bem após acordar.

Olhos NegrosWhere stories live. Discover now