5 - tudo aquilo que me disseram

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O oceano está calmo hoje. Tão calmo que parece estar paralisado, vazio, não parece haver qualquer sinal de vida nele. Talvez, em suas profundezas, ainda haja algum resquício, mas é tão pequeno que é incapaz de ecoar para a superfície. E o oceano parece morto ("sua aparência está tão melhor que antes, sem toda aquela tristeza, como pode dizer que não está bem?")

Dizem que um oceano calmo é bom, que assim ele não apresenta qualquer perigo. Todos aguardam ansiosamente para que ele fique assim. Espera-se que o oceano, por fora, não cause problemas, mas não há preocupações com o seu estado interior; pode haver um caos em suas profundidades, desde que isto não repercuta para o lado de fora e não seja necessário que alguém tome uma atitude. O oceano deve parecer morto - mas só até um certo limite, pois também é necessário que ele traga vida para aqueles que o cercam (tudo bem não estar bem, mas nem pense em demonstrar isso: as pessoas não sabem lidar com seus sentimentos e você só vai deixá-las tristes)

No céu, um azul-claro medíocre e manchado com o branco de escassas nuvens, há um sol que brilha, mas não muito: só o suficiente para iluminar a paisagem sem ferver a areia ou cozinhar as pessoas que se trancafiam em suas casas - e em suas mentes. O grande Astro-Rei cumpre seu papel de forma banal, sem causar aborrecimentos (eu costumava ser grande como ele, mas me diminuí para caber na sua mediocridade e agora não sei mais como crescer de novo)

A areia morna é colorida por um bege sem-graça; o vento fraco faz com que um ou outro grão invada cada tecido estendido no chão. Estes poucos e pequeninos grãos cobrem as estampas que, em uma tentativa de se diferenciarem umas das outras, acabaram se tornando um padrão de semelhantes (nada incomoda, mas também não satisfaz)

Observando a paisagem, você está sentado sobre uma toalha cinza: vai permanecer ou é só mais um turista temporário? Pretende ficar e admirar a profunda neutralidade que esse local foi forçado a adquirir ou é só mais um que quer satisfazer seu vazio e partir, depois de emporcalhar toda a orla? Queria que você fizesse parte do primeiro caso; gosto da forma como você parece se diferir dos outros: parece ter sentimentos, ser humano em um sentido literal. Mas continuo tendo minhas dúvidas; seu olhar, assustado como o de um cachorro abandonado, parece desejar ir embora, com medo de um tsunami que nem mesmo está dando sinais de que vai acontecer (isso é um sinal de falta de confiança em mim ou apenas algo que se tornou habitual para você depois de passar por tantas decepções?)

Às vezes, você dá sinais confusos, levantando e perambulando. Sempre me apavoro com a possibilidade da sua saída, mas você logo volta a se sentar em outro canto, se aproximando cada vez mais das outras toalhas. Sua atenção, aos poucos, deixa de ser direcionada para o horizonte e se volta para as pessoas. Que motivo há para você se interessar nessas múltiplas cópias medíocres, com seus corpos que mais parecem embalagens vazias de um mesmo produto? Mas, seja o que for, você o faz; e logo esquece do cenário que está em sua volta. Você está começando a se tornar mais um turista ou apenas está revelando quem sempre foi? Ou será que você apenas percebeu que este ambiente não é suficiente para te agradar, que ele simplesmente não é para você? (aja de tal forma que você entre no padrão que todos desejam e, então, haverá uma recompensa para todo o seu esforço: o abandono, pois você se tornou chato e comum, sumiu entre todos os iguais e deixou de ser interessante)

Depois de muito tempo, por algum motivo você se lembra do que te trouxe àquele lugar. Seus olhos focam novamente no ambiente, observando-o com surpresa. Apesar de não fazer tanto tempo assim, parece que faz anos que você não vê aqueles detalhes. Tudo está igual, mas parece diferente: o sol deixa de brilhar tanto como fazia antes e o escuro passa, lentamente, a tomar conta de tudo, pois ainda falta um pouco para que a lua domine o céu, oferecendo uma nova atração para todos, que já haviam se acostumado e perdido o interesse no céu de outrora. A escuridão que surge não te permite enxergar direito e te traz uma pontada de medo do que pode estar à sua frente; mas você já conhece essa sensação, ela já te é familiar. O medo passa, para dar lugar à outra sensação, a dúvida; você se pergunta se quer passar por isso, se vale mesmo a pena, ou se não é mais fácil ir embora (você olha para mim, surpreso, como se pensasse "você ainda está viva?" - todos os dias, no espelho, eu me olho da mesma forma - não queria que você pensasse o mesmo)

Se a beleza da lua e das estrelas tinha intenção de atrair a atenção da plateia, não houve sucesso. O belo espetáculo prontamente foi ofuscado por luminárias, porque o incômodo que a escuridão causava era maior do que o encanto que sua beleza trazia. A luz das estrelas não era suficiente, o mar já não era desejado. A plateia começava a se dispersar, buscando conforto em locais que os interessassem mais (a monotonia é desinteressante, mas a mudança também não agrada)

As pessoas começam a juntar seus pertences, se preparando para ir. Enquanto se distanciam, seguem sem olhar para trás, com movimentos quase robotizados e centrados em si próprios. Você vai olhar para o mar uma última vez antes de partir? Vai querer ter uma última lembrança daquele lugar? Ou não faz diferença? Todos já se foram, as sujeiras deixadas na areia são arrastadas pelas ondas; não há mais uma alma viva para observar a paisagem ou tirar aquelas garrafas vazias da areia. As tentativas de agradar não foram suficientes para vencer o sacrifício de ter que suportar alguns incômodos, então o desejo pelo conforto prevaleceu (você poderia me salvar se quisesse)

Em suas casas, iluminadas e aquecidas, as pessoas esperam novamente que, no dia seguinte, o dia seja bom para elas: temperatura agradável, mar calmo, um bom lugar na areia para estender a toalha e aproveitar o mar até que o dia deixe de agradar. Imagino se você está fazendo o mesmo, se também deseja retornar; o seu distanciamento foi apenas temporário, para cuidar de si, ou é permanente? Não gosto de turistas, mas, lá no fundo, não me importaria se você fosse um, desde que continuasse vindo. Mesmo que fosse apenas para ficar um tempo, tirar o que quer e, depois, ir embora. Talvez você precise ser mais uma dessas pessoas que fica em casa desejando que o dia seja o menos incômodo o possível; e só assim eu poderei fazer parte da vida de alguém (a calma do mar não impede os afogamentos; e, pouco a pouco, o meu ar está acabando)

VocêWhere stories live. Discover now