Feridas do Passado - Patricia Maiolini

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Depois de sentir pânico, tive repulsa. Tanta repulsa que quase vomitei em cima dele, de tanto nojo que eu sentia. Era o meu melhor amigo, primo e vizinho ali, em cima de mim, passando suas mãos pelo meu corpo. Não podia ser real, eu não queria aceitar que era. Após isso, ele me forçou a tocá-lo e por fim, tirou minha virgindade e inocência.

O que durou uns quinze minutos, para mim, pareceu quinze horas.

***

Ao longo dos estupros, que se tornaram mais constantes, ele me ameaçava, caso eu me recusasse a fazer o que queria ou puxava meus cabelos pretos, com força. Ele não me agrediu fisicamente, pois não queria deixar marcas suspeitas e ser descoberto, mas de qualquer forma, eu ficava apavorada toda vez que ele se aproximava de mim. Ele sempre mexia com o meu psicológico e dizia coisas como "ninguém vai te querer além de mim" e "você nunca será boa o suficiente para os outros" e eu, ingenuamente, acreditei em cada palavra de ódio. Minha autoestima ficou muito fragilizada, desde então. Até hoje, não recuperei totalmente os danos que ele me causou.

Por quatro anos, fui estuprada quase diariamente e ninguém da minha família suspeitou. Fabrício me estuprava antes do almoço, longe do nosso meio familiar. Às vezes, me levava para o primeiro motel que encontrava, usando uma identidade falsa para entrar, às vezes ia até a casa de algum amigo, que era conivente com os estupros e nunca tentou intervir... Fui estuprada até mesmo em locais públicos.

Eu mudei minha forma de agir e de ser, entrei em depressão, me afastei de todos; mesmo assim, minha família achava que era somente uma mudança da "adolescência" e que essa fase passaria, até que eu engravidei em 2011, aos 17 anos.

Com aproximadamente seis semanas de gravidez, comecei a ter constantes enjoos e engordei muito, em pouco tempo. Eu estava no meu peso ideal para a altura, mas era consideravelmente magra. Meus pais perceberam a mudança corporal e suspeitaram da gravidez, até mesmo antes de mim.

Minha mãe, Olívia, conversou comigo, contei a ela sobre todos os anos de sofrimento, ela compreendeu e me apoiou; sentiu repulsa por Fabrício, levou-me na farmácia para comprar um teste de gravidez e sentia empatia pela minha situação, principalmente por já ter passado pelo mesmo que eu. Seu avô paterno a estuprou por um longo período.

Meu pai, Sérgio, teve uma reação diferente. Ele sempre teve um pensamento machista e me culpabilizou pelo ocorrido. Não me apoiou como minha mãe, afinal, para ele, eu "provoquei" meu primo, usei "roupas indecentes e curtas" e "pedi" para ser estuprada, entre outros "argumentos" nos quais estamos cansadas de ouvir atualmente.

Eu estava completamente infeliz por saber que existia uma vida dentro de mim, fruto de estupros. Toda vez que pensava nisso, sentia meu corpo ser violado novamente. Era uma angústia terrível, que eu nunca havia sentido antes. Até que meu tio, pai de Fabrício, decidiu me levar a um hospital para abortar, sem o consentimento da minha mãe e a minha permissão.

Ele e minha tia foram até minha casa para um jantar, a convite de minha mãe, desde que meu primo não fosse. Percebia que meu pai e meu tio estavam estranhos, conversando sussuradamente ao longo do período em que estávamos reunidos. Quando estavam indo embora, meu tio me puxou pelo braço e me levou até o seu carro, colocando-me no banco de trás. Tentei sair de lá, mas em vão, pois ele o havia trancado. Minha mãe e minha tia tentaram se aproximar, mas meu pai a impediu – da mesma forma que o meu tio fez com sua esposa.

Eu queria parar meu sofrimento, mas, ao mesmo tempo, me levaram sem que eu permitisse. Mais uma vez, senti meu corpo sendo violado. Pessoas fazendo escolhas por mim, acreditando ser o correto. Ninguém me perguntou o que eu queria, em momento algum!

Eu estava com um pouco mais de 12 semanas de gravidez, mas não sabia a quantidade exata, o que significava que eu deveria fazer indução para expulsar o feto através de medicamentos e realizar curetagem para esvaziamento do útero. Foi isso que os médicos do hospital me explicaram, mas o médico que me atendeu se recusou a fazer o procedimento, pois ia contra seus princípios éticos e religiosos. Apesar de ter sido levada contra a minha vontade, fiquei frustrada com essa negativa, afinal, era um direito meu sendo negado, mas acabei aceitando.

Feridas do Passado - Antologia Cinderelas (Editora Sinna)Where stories live. Discover now