Ruminando...

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         Em um canto perdido do reino, serpenteando montes e vales, um rio fluía lentamente.

        Um rio sagrado entulhado com todo tipo de imundice.

        ... Como?

        Claro. Todo os rios são sagrado e devem ser preservados.

         Mas é só uma estorinha. E nas estorinhas pode ter apenas um rio sagrado entulhado de imundice.

         Agora senta ai menino e deixa o tio continuar a estorinha.

         Voltando... 

         O rio era sagrado mas mesmo assim as pessoas jogavam todo o tipo de imundice nele. E ele fluía. Passava por vários lugares. Servia a varias pessoas.

          E lá ia. Ia.

          Ao lado de um pedacinho do seu imenso corpo existia um pequeno povoado. E ali naquele momento uma vaquinha pastava.

         Ruminava lentamente abanando o rabo para espantar as moscas.

         Uma vaquinha livre e feliz.

          Ia aonde queria. Entrava em todos os lugares porque podia. Comia o que achava. Ninguém a incomodava.

          Não tiravam seu leite. Não comiam sua carne. Com ela ninguém mexia.

          Tinha até um sacerdote que dela cuidava. Adornava. Até orava para ela. Pois ela era uma vaquinha sagrada.

           ... Tá bom, Tá bom. Pode abaixar a mão. Não precisa nem falar. Eu sei, eu sei. Claro. Todas as vaquinhas são sagradas e participam da cadeia alimentar.

            Mas é só uma estorinha. E nas estorinhas pode ter só uma vaquinha sagrada que vai aonde quer.

             Agora por favor, senta ai menino.

              Continuando a estorinha...

              Então naquele pedacinho do cantinho do Reino, a vaquinha ia aonde queria. E o sacerdote sempre pregando as maravilhas que aconteceriam se as pessoas adorassem e não incomodassem a vaquinha. E assim se fazia.

               Porem. E todas as estorinhas tem um porem. Em um belo dia tudo mudou.

              Uma grande seca assolou aquele pedacinho do Reino.

             As águas do rio sagrado quase secaram por completo. O pouco que sobrou era intragável. Pois as imundices tomavam conta do pequeno leito que agora se formava. Corpos apodrecidos e restos de todo tipo de utensílios e embalagem. Restos de oferendas, aos milhares, entulhavam o rio agora.

              A grande seca matou toda a vegetação. E a fome chegou.

             E a vaquinha ainda continuava indo aonde queria. E as pessoas com fome e com sede pediam. Imploravam ao sacerdote que pelo menos tirasse o leite da vaquinha. E ele irredutível negava. Isto ia contra seus princípios.

              E ele proclamava. O que vocês tem que fazer é reverenciar e orar a vaquinha. Pois só assim a fartura viria. Orem! povo de pouca fé.

               E a vaquinha ia aonde queria. E o povo morria.

               Quando um cidadão já sem força, suplicou para que matasse a vaquinha e o desse apenas um pedacinho de carne. O sacerdote ficou fora de si. Bateu tanto em sua cabeça que o cidadão desfaleceu ali mesmo.

                E corpos desnutridos e sem vida salpicavam todo o povoado. Não podiam nem serem jogado no grande rio sagrado. Pois, ele já não existia mais.

              O sacerdote temendo pela vida da sua sagrada vaquinha, a escondeu dentro do templo que havia feito para ela. Ali ela poderia ficar em segurança até a seca acabar. Comida não faltaria. pois ele havia juntado e guardado uma grande quantidade.

             O tempo passou. Todas as pessoas do povoado morreram.

            E dentro do templo apenas a vaquinha sagrada e seu sacerdote ainda resistiam.

            Mas ali também a comida havia acabado. A vaquinha mugia baixinho e o sacerdote já andava se arrastando.

            E ele continuava firme em sua fé. Ainda a adornava. Era um homem de princípios. Ainda orava.

           E ali acariciando a vaquinha pensava. Como adorava aquele sagrado animalzinho. Gostava tanto que as vezes sentia até vontade de morde-la.

          Opa!

         Morde-la.

         E o pensamento foi crescendo.

         A barriga murchava e ele pensava.

         O estômago roncava e ele arquitetava.

         O aço brilho. Perfurou. Deslizou. o sangue sagrado jorrou.

         E ele bebeu. Sugou. Se saciou.

          Rasgando agora aquele corpo sem vida, ele arrancava nacos de carnes e comia com tamanha gula que se empanturrou. E morreu.

          E era uma vez um vaquinha sagrada.

                                                  *

       O que? moral da estorinha?

        A não. Até tu, menino?

        Esta bem. Esta bem!

        Então senta ai e anota.

        ''Principio é algo que despimos, quando a necessidade se aproxima''.

           Agora arruma seu material. 

            Vai! 

            Vai para casa almoçar que sua mãe já deve ter fritado os bifes.

RuminandoWhere stories live. Discover now