Sr. Monóculo Quebrado

Start from the beginning
                                    

Eu encarei a grande, larga e jovem árvore. Daria para fazer muito bons bonecos e talvez alguns móveis novos. Estiquei o corpo e balancei o machado de um lado para o outro o encaixando perfeitamente nos calos das mãos.

— Afiar, Picar e Desmembrar. — Recitei olhando fixamente para o fio do machado que tomou uma coloração rosada. — Veloz e Cortante.

Levantei o machado segurando a respiração, desci-o acertando o primeiro golpe e "crack" fez o machado beijando a árvore. Sorri puxando-o e levantando-o novamente.

Um arrepio correu pela minha espinha e um suor gelado desceu em minhas costas me fazendo parar o movimento. Eu não havia percebido o quanto a floresta estava silenciosa, o que era anormal em Teran; a natureza era viva, fluida e intensa.

Olhei para o Mister Pontudo que estava com os olhos de íris-multicoloridas arregalados olhando em todas as direções e com o rabinho entre as pernas, isso começava a me assustar. Os unicórnios não são conhecidos por serem os totens mais corajosos, mas Mister Pontudo estava tremendo e choramingando, o que me fazia querer ir embora.

Pare com isso seu covarde. — Ralhei, não sei se para ele ou para mim mesmo, preparando o outro golpe. — Não há nada de mal aqui.

Concentrei-me e golpeei a árvore mais cinco vezes.

Quando levantei os olhos percebi que a floresta estava escura; o que era estranho, pois estávamos no meio do dia e era o momento em que os sóis se uniam e deixava o mundo em tonalidades roxas claras.

Senti olhos em minhas costas, mas quando me virei não tinha ninguém. Não só isso, não havia cantos de pássaros e nem tilintar de fadas. Engoli o medo em seco.

Um desejo me veio sussurrado à mente. Eu queria sair correndo com o Mister Pontudo no colo e cair sobre ele para que o seu chifre perfurasse meu peito. Aproximei-me do meu totem pronto para fazer isso, mas me contive, me dando um tapa no rosto.

Olhei para os lados tendo a sensação de que as árvores estavam mais próximas de mim, mais distorcidas, mais vivas e mais malignas. Isso não era possível, árvores não faziam mal para magruxeiros. Em Teran nada fazia o mal.

Mister Pontudo, vamos embora. — Sussurrei perto das orelhas felpudas do meu totem.

Guardei meu machado mágico na proteção presa no meu cinto e sai correndo. Ouvi um murmúrio e fiz a burrada de olhar para trás. Uma árvore surgiu em minha frente, eu dei de cara derrubando meu machado e meu monóculo, senti o gosto de ferro na boca e sangue escorrer do nariz, mas não iria gastar tempo procurando coisas ou me preocupando com machucados, eu precisava correr.

Eu ouvia um choramingo por perto, mas não iria cometer o erro de olhar para trás novamente. Corri descontroladamente mesmo aos tropeços, ora de pé e ora de quatro. Galhos surgiam e cortavam meu rosto. Parecia que as raízes estavam tentando me derrubar, era loucura, a natureza não fazia mal aos magruxeiros.

Nada fazia mal em Teran.

Uma névoa tomava a floresta ficando cada vez mais espessa e rígida. Isso não era possível, na verdade era, mas não era natural ou fácil de fazer.

Mister Pontudo baliu agoniado, saiu em disparada e desapareceu. Eu estava tão amedrontado que minha voz não saía e sentia algo quente escorrer pelas minhas pernas. Isso não era possível negava minha mente.

O ar faltava em meus pulmões, correr não era para pessoas gordas e grandes como eu. Parei pra descansar com meu coração batendo em meus ouvidos. Sentia vontade chorar, mas engoli o choro quando ouvi um choramingo muito perto de mim. Era um sussurro triste e melancólico, um lamento.

Qu... — Comecei.

Não terminei a pergunta, pois minha voz falhou quando ouvi o som de madeira rangendo, era um barulho conhecido quando se era lenhador, uma árvore se quebrando aos poucos. O som estava bem perto de mim, assim como o choramingo que aumentava a cada passo.

Se eu tivesse com meu machado poderia recitar algum feitiço, mas sem ele não conseguia fazer nada. Um magruxeiro precisa do seu canalizador.

Meu coração batia cada vez mais forte e minhas pernas não funcionavam mais.

O ranger aumentava e a neblina estava subindo pelo meu corpo parrudo. Um galho apareceu em minha frente e o meu mundo congelou. De alguma forma aquele galho me parecia familiar, era mais que um simples galho, era uma mão jovem e pálida.

Ao fundo eu ouvia o choramingo aumentar. Uma voz fina de criança com um tom de velho sussurrou.

Meu senhor vais fazer isso? — Choramingava. — O senhor não precisa.

A ponta do galho se contorceu como dedos se aproximando do meu rosto. Eu não tinha reação, mas eu conhecia aquela mão. O galho seco foi para trás e cravou em meus olhos, gritei alto e uma árvore tombou e... Senti um frio intenso e depois nada.

 Senti um frio intenso e depois nada

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.
PSICOMALWhere stories live. Discover now