//ONE//

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BRIE

Desde que me lembro, lutar é a única coisa que eu sei fazer direito. Subir no ringue e colocar toda a minha raiva e frustração em minha oponente, era algo que eu fazia bem. Mas a vida não te prepara para perder tudo. Não... Ela não te prepara para perder a única pessoa que sempre acreditou em você, quando o resto do mundo dizia que o esporte que você prática é lugar para homens, e não para garotas. Ele não te prepara para perder de pouco a pouco as pessoas ao seu redor.
Meu pai, Michelangelo Glover, Micky, como o mundo o conhecia, era meu melhor amigo, meu pai e meu ídolo. Tudo o que eu sempre soube em minha vida, foi ama-lo e adora-lo.
Quando criança meu pai, trançava meu cabelo, me colocava sobre seus ombros e me levava para academia para vê-lo treinar. E eu o admirava, admirava cada movimento novo que ele descobria com seu treinador, Papy, como todos o chamavam. Meu pai foi uma sensação mundial nos anos 90, ele era o imbatível, e quando minha mãe desapareceu no mundo e me deixou sobre sua custódia, ele decidiu que era hora de pendurar as luvas. Ele se aposentou quando eu tinha 12 anos. E ele nunca se arrependeu. Virou treinador de vários garotos e garotas, que o amavam com se ele fosse uma espécie de Deus. Quando fiz 16 anos, ao invés de uma festa como toda garota sonha, pedi a meu pai que me deixasse subir ao ringue com ele, e me ensinasse alguns golpes, ele relutante o fez, e nos passamos a madrugada do meu aniversário no ringue. É uma das memórias que eu jamais vou esquecer, cada movimento que ele me ensinou, cada palavra de apoio... Tudo... Excepcionalmente, tudo foi aprendizado com uma das maiores lendas do boxe. Quando comecei a disputar lutas no meio underground contra garotas na mesma categoria que eu, ele viu que eu tinha herdado seu dom. Fiquei conhecida como "Tormenta", todo mundo que ouvia meu nome num raio de um km, sabia que era melhor não me tirar do sério.
À má reputação me perseguiu, dificultando quaisquer relacionamento com garotos, porque eles achavam que eu estava interessada em garotas. Claro, que garoto vai olhar para uma garota, com tranças, suada, vestida com shorts e um cropped e achar que ela gosta de garotos, quando ela mais parece um dos caras?
Ou quando eles tentavam me tirar do sério, a ponto de partir para cima deles? Eles tinham medo de mim. Não os culpava, eu também teria.
Mas agora isso não importava, eu havia perdido a única pessoa que acreditava em mim, meu pai havia morrido ontem à noite, em um acidente fatal de carro. Ele estava vindo para academia, me buscar. E um motorista bêbado, acertou o seu carro em cheio, quando ele cruzava o cruzamento na 55th vindo para cá. Não conseguia acreditar, que isso estava acontecendo comigo. Passei toda a questão de reconhecimento de corpo e afins, para meu avós, porque não havia condições de eu conseguir lidar com isso.

Passei aquele dia na academia socando o aparelho, e dispensei todos os alunos das aulas de boxe naquela semana. Talvez naquele mês. Estava pensando seriamente em parar de aulas. E voltar a treinar sozinha, eu não tinha mais cabeça para isso. Mas cedo, uma das coisas mais bizarras aconteceu comigo, fui amaparada por um completo estranho... Eu cheguei no fundo do poço, literalmente. Porque precisei abraçar um estranho para ter algum conforto. Foi o auge do patético.

Uma batida na porta me tira do meu transe, e vejo Arizona. Ela abre a porta e entra receiosa.

- É... Nós estamos fechando... - A loira diz.

Tiro a proteção bocal, e puxo o velcro da tala com os dentes, os tirando.

- Já vou descer. Só vou pegar minhas coisas. - Ela balança a cabeça e se vira saindo.

Deixo um suspiro fundo escapar de meus lábios. E me viro para o poster enorme de meu pai ao fundo do ringue. Ele vestia seus shorts que lembravam a bandeira dos estadus unidos, e seus punhos em guarda em frente à seu rosto.

- E agora, superman, o que eu faço?- Resmungo desfazendo minhas tranças. Tiro meus shorts e visto minha calça moletom cinza que havia deixado sobre o banco, e calço meu Nike preto. Termino de guardar minhas coisas na mochila, coloco meu casaco de moletom e checo meu celular. Várias mensagens de amigos e parentes e algumas chamadas perdidas de minha avó. Não irei me dar ao luxo de retornar. Desliguei as luzes da sala, tranquei a porta e desci as escadas indo direto na recepção. Eu precisava fazer isso, não tinha como eu contunuar dando aulas. Não por um tempo.

- Ari. - A loira olha para mim com semblante preocupado. Coloco a chave em sua mão e ela me olha assustada. - Me desculpa, de verdade. Mas não acho que voltarei a dar aula por um tempo.... Eu não consigo. - Respiro fundo. E me dirijo para fora do estabelecimento. Dou uma última olhada para o lugar onde meu pai e eu sonhamos em dar oportunidades a outras crianças, uma última vez, e sigo meu caminho a pé até em casa. Eram a duas quadras dali, não muito longe. Coloquei meus fones de ouvido e comecei a correr pela calçada até o apartamento onde eu morava com meu velho.

Subi as escadas, e abri a porta, desligando a luz do lado de fora. Não havia porque ela ficar ligada, não havia mais ninguém para esperar... Segui pelo o corredor, e abri a porta de casa. Liguei a luz e encarei o quarto vazio. Estou sozinha. Literalmente sozinha, pela primeira vez em minha vida. Eu tinha 19 anos, e não tinha mais ninguém além de mim mesmo. Meus avós não aceitavam o fato da sua única neta praticar um esporte tão violento e masculino. E agora, que eu não tinha ninguém, provavelmente eles me impediriam de conrinuar lutando. NÃO! Eles não vão tirar de mim a única coisa que eu sei fazer. Posso não dar aulas por um tempo, mas não iria parar de lutar. Eu preciso disso. Preciso. Fecho a porta atrás de mim e deslizo as costas nela, até estar no chão com as mãos em minha cabeça.

- Porque Deus? Porquê você está fazendo isso comigo? O que eu fiz para você me punir desse jeito? - Choro sozinha no apartamento vazio.

Cemitério de Louisiana.

O enterro de meu pai estava cercado de amigos, admiradores e parentes. Choviscava um pouco. Eu vestia um sobretudo preto e óculos escuros. Enquanto ouvia sem prestar muita atenção no que o padre dizia. Após a cerimônia, o caixão do meu pai foi decido, e uma salva de palmas por todos havia começado. Mas eu continuava imóvel. E fiquei assim, até restar apenas eu no cemitério. Quando os coveiros terminaram os seus trabalhos, e colocaram grama fresca sobre o tumulo, eu fiquei em pé fitando a lápide de meu pai.

"Michelangelo Joe Glover, um amigo, um pai, uma lenda e filho amado. 1964 - 2019"

Meu pai sorria na foto, me inclinei e toquei-a.

- Vou honrar seu legado, superman. Te prometo isso. Ninguém vai tirar o que aprendi com você de mim. Ninguém!

A chuva começa a engrossar, me fazendo ajeitar meu sobretudo para que a água não molhasse a roupa de baixo, enquanto eu caminhava para fora do cemitério, onde meus avós me esperavam.

- Você vem com a gente para casa. - minha avó diz. Era uma afirmação. Que eu não iria acatar.

- Não. Eu vou para a minha casa. E nem tenta tirar aquele lugar de mim. Vocês não querem provocar a minha ira. - Digo da pior forma possível.

- Brienne, você não pode morar sozinha naquele apartamento. Você tem apenas 19 anos! - minha avó Constance, esbraveja.

- Não só posso, como vou! - Digo parando um taxi. - Não quero nada de vocês. Não preciso de nada de vocês. Me deixem em paz!

Entro no taxi, e digo ao motorista meu endereço.

Meu pai havia saído de casa aos 18 anos, e feito sua vida no boxe, sozinho e com ajuda de alguns poucos amigos. Eu não preciso do dinheiro dos meus avós, e não queria também. Posso me virar sozinha, com o que meu pai deixou para mim até meus 21. E eu faria isso. O boxe me levaria à algum lugar, quer meus avós gostem ou não. Ninguém iria me fazer desistir disso. Ninguém!

IN YOUR ATMOSPHERE [SM] SEASON 1Where stories live. Discover now