Além do espelho

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Com tudo o que o quarto de Diane tinha a lhe oferecer, Luzia imaginava se depois de ler todos os livros ali presentes – inclusive os que ainda seriam criados – conseguiria pensar em argumentos o suficiente para convencer ambos, Relmibeon e Hugo, do seu ponto de vista. A garota, no entanto, encontrava-se em um dilema. O bilhete dizia para que ela falasse com Relmibeon sobre a chave para desfazer o espelho e, dada a forma que o metamorfo brilhante entrara no seu quarto, ela não conseguiria ler tantos livros quanto precisava. Essa questão a deixara bastante desconfortável. A menina torcia levemente os pés para dentro e dava pisadinhas ansiosas. O quarto, talvez sentindo o que passava na mente da criança, produziu uma gentil brisa que a conduziu até o centro do quarto, onde ela passou pela janela circular de livros e parou próxima a uma estante. À sua frente estava o seu autovisão.

"Ele guardou o meu aqui depois que eu saí pra ver o Nuntius?" - lembrou-se a menina de que não fazia ideia de onde deixara o seu precioso ajudante de aventuras.

Com o aparelho na mão, ela fazia seus olhos passearem pelo quarto a procura de mais alguma coisa que viesse a ser útil. O baú de quanto viera da primeira vez prendera a sua atenção. lá possuía todo tipo de artefato e estranhezas, as quais, até mesmo Luzia conseguia identificar o quão perigoso poderia ser não saber usá-los sabiamente. Dentre estes, o frasco que punha o diminuto raio sob controle. Agora, as paredes de vidro aparentavam certa dificuldade: a eletricidade crescera motivada pela sua paixão às costumeiras tempestades que podiam ser vistas da sua janela. A cabeça de Luzia, já apinhada, refletira e optara por não considerar nenhum equipamento extra. O resto do seu cérebro porém, se alguma coisa tivesse sido decidida sensatamente, borbulhava de indecisão com vários outros assuntos.

A ideia de usar o autovisão e ir até Nuntius crescia dentro da garota, ao mesmo tempo que uma enorme hesitação. Ela não sabia por onde começar, mas esse aleatório sinal que o quarto lhe dera pareceu razoável. Pouco antes de colocar o item, uma mini-Luzia sussurrou em seu ouvido.

"E se ele vier pra esse quarto? Ele vai me achar!"

Preocupada de que, a qualquer momento, o garoto pudesse brotar magicamente ao seu lado, ela correu pelo pequeno espaço que servia de ponte entre aquele e o seu próprio quarto. Novamente coberta de poeira e com algumas formigas subindo pelas suas roupas, ela saiu do túnel apertado.

Mesmo com a porta fechada, Luzia não se sentia completamente segura ali enquanto usasse o autovisão, necessitava de um esconderijo. O cômodo, ao contrário do que normalmente lhe parecia, tornara-se minúsculo e nada protetor. De todos os lugares que pensara, o guarda-roupas aparentava ser o menos óbvio, mas ainda mais visível do que gostaria. Desejando que sua fome não batesse na porta de seu estômago – a sopa-água tornara-se tão desgostosa quanto comer a própria terra , cobriu-se com alguns vestidos de Diane e pôs o autovisão.

O mundo permaneceu o mesmo, contudo, nesse momento, com uma projeção livre e decidida de Luzia. No primeiro passo que dera para fora do guarda-roupas, uma fina agulha inexistente pinicava seu pescoço, fazendo-a lembrar de que Hugo também possuía uma cópia do mesmo aparelho que ela. O cuidado que deveria tomar deveria ser ainda maior, já que, caso ele descobrisse dessa segunda vez, - ela pensou na pior coisa que podia lhe acontecer – nunca mais falaria com ela.

Luzia pegou a projeção da chave que a trancava e abriu a porta lentamente, tentando evitar ao máximo o rangido das dobradiças enferrujadas. Assim que trancou o quarto, pôde ver Dimitri trazer o seu café da manhã: a cada vez mais insuportável sopa-água. O seu desejo de se isolar estava sendo, de fato, respeitado. As duas refeições que teria foram servidas no seu próprio quarto sem tentar convencê-la a se arrepender do que fizera, o que, em uma circunstância diferente, seria agradável.

Luzia e o Espelho Além de TudoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora