— Ei cara, quer ajuda?
— Não, valeu. Eu to bem, eu. Só preciso me acostumar.
— Se acostuma aí — a moça deu as costas e deixou o homem caído, sem entender o que ele quis dizer.
Ainda no chão, o homem a olha ir embora, com a impressão de já a ter visto antes. Ela então puxa a porta de um banco e entra. O homem vai atrás.
— Ei! É, desculpa. Você tá viva ou tá morta?
A mulher o olha por uns instantes.
— Caralho, você morreu? Hoje é o dia de ver fantasma?
— Isso, eu tô morto! Você é viva! Como consegue me ver?
— Vamos sair daqui pra eu não passar de doida.
Os dois então saem do Banco e seguem pela Avenida Guararapes.
— Olha, eu não vejo gente morta todo dia.
— E eu também não sou um fantasma todo dia.
— Tá, você primeiro.
— Bem, sabe loop temporal? Tipo em A Morte te dá Parabéns, Boneca Russa...
— Dia da Marmota, né?
— Qual é esse?
— Feitiço do Tempo.
— Ah sim, vi esse um dia desses. Que tem uma lontra né.
— Marmota, cara.
— Ah sim, sim.
— Tem o Limite do Amanhã, que é ruim.
— Poxa, eu gosto desse.
— Vê o episódio seis, eu acho, da primeira temporada de Star Trek Discovery.
— Poxa, eu anotaria se pudesse. Espero lembrar.
— Mas então, você tá num loop temporal fantasma?
— Não, eu não preciso morrer pra resetar. Todo dia eu acordo, vivo o dia, então eu durmo e acordo no mesmo dia.
— Caralho. Já tentou não dormir?
— Eu desmaio, não tem jeito. Aí um dia, eu fui atropelado na Avenida Agamenon Magalhães.
— A Agamenon é foda, véi.
— Então eu virei um fantasma, pela primeira vez. Só que daí no fim do dia.
— Cê acordou como vivo.
— Exatamente.
— Caralho... E você morreu de novo hoje? Como?
— Eu tenho me matado. Estar morto é... Outra coisa, você não tem ideia. Outras possibilidades, e... Estou procurando algo que explique o que acontece comigo. Mas estou ficando paranóico. Talvez precise de alguém pra conversar.
— Procura um grupo de apoio, algo assim.
— Mas você é a única viva que me vê.
— Eu não vou te ver de novo amanhã, cara. Talvez eu não te veja nem daqui a pouco.
— O que acontece com você? Deve ser tão louco a ponto de te fazer não estranhar a minha situação.
— Ah, você nem faz ideia. O que acontece, cada dia eu...
O homem desaparece a sua frente.
A moça fica surpresa por uns instantes. Suspira, e volta a seus afazeres pensando no que poderia aprender mais sobre estar morto.
Quanto ao homem, ao ver que a moça não mais o via, lembrou que poderia vê-la novamente ao reviver este dia, se permanecer vivo. Mas ela nunca voltou a aparecer.