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"Quase fui preso por queimar todos os exemplares de Shakespeare de uma biblioteca. Você apreciaria isso, amor? Acho que estou finalmente enlouquecendo. A parte mais patética é que imaginei que você veria as cinzas e, por algum motivo, saberia que era eu. Imaginei que você viria até mim e me salvaria da loucura que tem sido tentar viver sem você, mas você não veio..."

— Conde de Plimont três meses após a partida.

Yorkshire, 1814

— Essas alegrias violentas têm fins violentos... — narrou Francesca, em tom aborrecido, soltando um suspiro entediado ao se curvar sobre o braço da poltrona.

— Postura, senhorita! — repreendeu a outra voz feminina.

— Para recitar? — indagou ela, o cenho franzido em genuína indignação.

— Para tudo — foi a resposta obtida.

Com um breve e discreto revirar de olhos, ela se pôs a recitar novamente a peça.

— Padecendo no triunfo, como...

— Falecendo. — A voz se fez ouvir novamente.

— Perdão?

— É falecendo, não padecendo.

Francesca ergueu os olhos para a figura rechonchuda da Sra. Alecsandra Pnewod, sua tutora, soltando um grunhido deselegante. A mulher, que estava empoleirada entre as últimas prateleiras da biblioteca, organizando as obras de uma das estantes em ordem alfabética, lançou um olhar comedido de advertência.

— Não dá no mesmo? — replicou Francesca.

— Shakespeare escreveu falecendo.

— Shakespeare é um idiota! — Ela não conseguiu se conter, levantando-se da poltrona onde estava e pousando um exemplar de Romeu e Julieta sobre a mesa ao lado. — Não entendo o porquê de ter que aprender sobre Shakespeare se nem sequer gosto dele. É tudo enfadonho, clichê e mórbido. Não imagino quem o leia por livre e espontânea vontade. Pelo amor de Deus!

A Sra. Pnewod a olhou com impaciência por cima do ombro e se virou novamente para a prateleira de livros que estava organizando, mas não sem antes falar:

— Aprenda este ato e poderá ler qualquer outro tipo de literatura que preferir. Decerto está ansiosa para escolher algum melodrama impróprio.

Francesca respirou fundo, esforçando-se para lembrar que seu mau humor não era culpa da tutora, e voltou a se sentar.

— Como se fosse possível achar algo mais melodramático que Shakespeare — resmungou baixinho.

— Eu ouvi isso — repreendeu a Sra. Pnewod, sem tirar os olhos dos livros que organizava com exagerado empenho.

— Essas alegrias violentas... — recomeçou em um tom bem mais alto que o necessário, descartando o comentário rudemente. — ... têm fins violentos. Falecendo no triunfo, como fogo e pólvora, que num beijo se consomem.

Não esperou por nenhum comentário vindo da tutora e logo estava de pé.

— Agora, onde está Byron? — A satisfação em seu timbre era indisfarçada, quase indecorosa, mas ela não se importava.

Mesmo sendo filha de um conde e tendo recebido a mais refinada educação que sua situação permitia, Francesca não se importava com modos, refinamentos ou graciosidade.

Ela nem sequer se importava em parecer uma dama.

— Milady! — Erguendo a voz, a tutora começou a repreendê-la, mas Francesca não a deixou terminar.

Os segredos do conde de Plimont (degustação)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora